Em dezembro, o Brasil se despediu de Dalton Trevisan. Mestre do conto moderno, o escritor curitibano faleceu aos 99 anos. Sua morte gerou comoção em Curitiba. O prefeito decretou luto oficial. O governador do Paraná enfatizou sua contribuição ímpar para a cultura local.
Retratando e renovando a arte da narrar histórias, Trevisan com seus contos mostra-se como supervisor do minucioso. Ressoando sem firulas aos leitores temas como as tantas complexidades humanas em relacionamentos, convivências labirínticas, e os dilemas e paradoxos da vida urbana em suas histórias — que foram ficando cada vez mais concisas e curtas
Dalton retratava “gente simples”, perturbada, triste. Retratava impotências, situações-limite. Na voltagem de tensão, pitadas de ironia, na gangorra da incomunicabilidade. Dentre crises de profundas ambiguidades, paradoxos existenciais, a verve técnica encantava, emanando nossas contradições e singularidade escrevendo pouco, dizendo muito. Afinal, Trevisan era o texto minimalista do choque. Impacto. Conduz a trama numa urdidura única, marca de estilo: simples ao complexo, o grão de areia, o oceano, o caos.
Avesso às aparições públicas, midiáticas, nem por isso era recluso. Tido como o “flâneur”, permaneceria oculto-sagaz enquanto incógnito observador, contemplativo, dissecando fraquezas, rompantes de loucuras na força da metonímia, no close do detalhe vivo. E, dotado, claro, do faro fino, raríssimo poder de síntese. Para escancarar e, histórias comuns na comovedora percepção contemporânea do vazio dentre a hiper informação, atrelada às engrenagens que pautam anestesia coletiva com gosto de enganoso deleite.
Aproveite o prazer da leitura do mestre do conto, que desperta senso crítico, desloca o corpo para a alteridade brutal, tragando o leitor ao portal aberto do conhecimento. No verbo fatal, que vai escancarando a sensação de aniquilamento, desumanização, Dalton destilou com veneno perceptos das capilaridades e limitações destas ambiências terrícolas da derrocada final narcísica.
Ora cortante, ora lírico, Dalton Trevisan, “o vampiro de Curitiba”, nunca se acomodou em evoluir tecnicamente. Enxuto, gradativamente ao longo de tantas décadas tornou-se cada vez mais explosivo flash. Pancada na lâmpada, condensada poética desconcertante, do “short storie”, narrativa curta brotando uma espécie de utopia de haikai urbano brasileiro, que se tornou sem fronteiras. Sim, sua palavra atravessou gerações, traduzida para dezenas de idiomas. Premiado com o Prêmio Camões em 2012 e quatro vezes com o Jabuti, transformou a capital paranaense em um dos principais cenários de sua obra. Das prolíficas páginas personagens e bairros ganhavam vida pra valer. Entre seus trabalhos mais marcantes estão “O Vampiro de Curitiba”, “Cemitério de Elefantes”, “Novelas Nada Exemplares”, “O Beijo na Nuca” e muito mais, é só correr atrás!
Portanto, leitor, não perca tempo. Leia Dalton. Mergulhe no foco na força trevizânica, de índole expansiva, reluzente epifania sanguínea, rugido ante a queda de máscaras farsa social neste instante agora silente, agora mesmo, urgente, “onde cada morto é uma flor de cheiro diferente”.
Mário Mariones é escritor, jornalista, músico e professor. Contato: @mariomariones
Por Mário Mariones / Foto: Reprodução X