No último fim de semana assisti ao documentário ‘Macaco Tião – O Candidato do Povo’, do diretor e produtor cultural Alex Levy Heller.
Com depoimentos dos humoristas Marcelo Madureira, Beto Silva, Cláudio Manoel, Hubert Aranha e Hélio de la Peña, do músico Roger Moreira, do antropólogo Roberto DaMatta, do economista Sérgio Besserman e do cientista político Jairo Nicolau, a trama aborda a história inusitada ocorrida no fim da Década de 1980, quando um chimpanzé do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro foi lançado a Prefeito. À época, aconteceriam as primeiras eleições municipais pós-ditadura e, como forma de chamar a atenção para a baixa qualidade dos candidatos, os integrantes da revista humorística Casseta Popular resolveram adotar o Chimpanzé e promover a sua campanha como Voto de Protesto.
Verdade que o chiste que chamou a atenção de toda a Nação não era um gesto original e os próprios ‘cabos eleitorais do macaco’ reconhecem durante o filme que houve antes o Cacareco. Aliás, para quem não sabe, abro um parêntese: Cacareco foi um rinoceronte fêmea também do Zoo da Capital Carioca, mas que emprestada para o Parque Zoológico de São Paulo, no Pleito do Executivo da Terra da Garoa de 1959, recebeu 100 mil votos! Fecho o parêntese.
Já Tião contabilizou 400 mil votos, fato que garantiu o 3º Lugar [caso sua candidatura fosse validada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE)] e o nome inscrito no Guinness World Records como o macaco mais votado do Globo! Sim, eram outros tempos, quando a escolha era realizada com cédulas de papel nas quais os eleitores escreviam o nome de seu Predileto.
Chamo a atenção do querido leitor e da estimada leitora para o voto de protesto, pois com a mudança rápida e agressiva dos costumes, as novas gerações perderam o contato com o que gerava riso e até contentamento, ou seja, mais do que apenas um gesto de afirmação contrária ao que estava sendo apresentado como opção, o voto em Tião e ou em Cacareco causava um sentimento de prazer ao discordar do statuo quo.
A piada era livre e somente o era porque tinha graça e nenhuma patrulha, por isso as crianças cresciam mais fortes e preparadas para encarar as mazelas do Mundo. O Coletor Eletrônico de Voto ou apenas Urna Eletrônica – dispositivo que começou a ser utilizado a partir das Eleições Municipais de 1996 –, assim como a Internet e o aparelho celular, são agentes que completam pouco mais de 20 anos e, infelizmente, veem apagando fases extremamente necessárias para o bem estar físico e psíquico do Ser Humano.
Atualmente, discutir política, por exemplo, está impossível e qualquer posição contrária causa tamanho estresse, tanto aos de cá, quanto aos de lá; da mesma forma, um sem número de pessoas deixaram de viver o real porque no virtual basta apenas que exclua o outro da timeline, no tête-à-tête, é preciso argumentar e contra argumentar, enfim, um saco, não é mesmo?! Há dez anos, escrevi um monólogo que, posteriormente, foi roteirizado e adaptado para um curta-metragem, o Ista, no qual a personagem, o Evaristo, criticava isso tudo e olha que ali, ainda era a ponta do iceberg da tomada da tecnologia. Agora veja, o Brasil é o único país que possui um sistema de eleições 100% eletrônico e o quarto em número de usuários de Internet e de celular!
Mas voltando ao documentário, há um trecho em que um dos cassetas diz que a gente piorou enquanto espécie e que atitudes como a de lançar um animal que não o Homem a um cargo público como piada ou até mesmo pensar na existência de programas como o TV Pirata e o Casseta e Planeta seriam impossíveis nos dias atuais!
Pois é, creio que estamos em processo de involução nos mais variados aspectos, sejam de ordem moral, social, educacional, e, sobretudo, cultural, pois nos últimos 16 anos de desgoverno sob o comando do Condenado de Curitiba, direta ou indiretamente, houve uma tentativa de valorização das coisas que não têm nenhum valor. Por pouco, os tentáculos do Foro de São Paulo, que sempre quis implantar o controle da Imprensa e restringir as liberdades individuais, não jogou a pá de cal sobre o Senso de Humor do cidadão comum!
Os restos mortais de Cacareco estão no Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), já os de Tião, jazem no Centro de Primatologia do Estado do Rio de Janeiro (CPRJ). Até domingo que vem!
O autor é Mestre em Divulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.