Sabe, moço, toda vez que me ocorre o nome dele, me vem à lembrança minha finada e querida Vó Lola. Seus cabelos grisalhos que foram ficando brancos, cada vez mais, à medida que os anos avançavam. Seus óculos que jamais lhe saíam do rosto. Seu sorriso fácil, brejeiro. Seu vestido estampado e chamativo. Sua paixão pelo Silvio. Ela não perdia um programa dele aos domingos. Comprava o carnê do baú, quase sempre. Eu era ainda um menino. Tinha muitas esperanças. Lembro-me das visitas de minha vô Lola lá em casa. Era uma festa recebe-la. Ficávamos todos na expectativa da chegada do táxi que a traria com suas malas e sacolas. E, aos domingos, a parada obrigatória de todos nós, logo no começo da noite, era no sofá da sala, diante da tevê colorida, que meu pai havia comprado em suaves prestações na Casa Farani. Uma Philips 26 polegadas. Um show. Aquelas cores fortes, quase berrantes, bem típico dos anos 70. Então, assistia-se ao Show de Calouros. E ríamos com a intransigente Aracy de Almeida e o hilário Pedro de Lara.
Por que estou lhe dizendo tudo isso? – disse-me ele, enquanto repousava sua xícara de café sobre o balcão da padaria Claret, naquela manhã que apenas se iniciava.
Esperei que ele antecipasse a resposta. Mas não o fez. Resolveu solver o último gole de café.
“Talvez, porque você também o admirava”.
“É raro viver 93 anos bem sucedidos”.
“É raro viver 93 anos” – eu disse, lembrando que a minha avó havia falecido com a mesma idade.
Então, ele se despediu, sem que eu tivesse a chance de lhe perguntar o nome.
Cheguei à redação, naquele dia, pensando o que eu poderia escrever sobre Silvio Santos, que ainda não havia sido escrito naquelas últimas 24 horas. A ideia perdeu importância com a avançar dos minutos e a preocupação de elaborar a pauta para a página de esportes.
Enquanto esperava o computador saciar a sua morosidade mórbida, peguei de dentro da mochila o livro que me acompanhava naqueles dias. E ao folheá-lo deparei-me com a seguinte frase: Um homem leva consigo somente aquilo que de fato lhe pertence: seus conhecimentos adquiridos, sua inteligência, suas qualidades e defeitos morais.
Sim, do mundo não se leva nada. Mas, há motivos para sorrir e cantar? Não sei. Em um país como o nosso, onde homens e mulheres de toga cometem injustiças ao invés de promove-la? Onde se trabalha diuturnamente, para sustentar a mordomia de ociosos incompetentes, que se dizem nossos representantes, mas que, em verdade, trabalham apenas para atender aos seus próprios interesses?
Um país onde alienados desocupados, na falta de coisa melhor por fazer pagam caro pra assistir a um futebol medíocre, praticado por gente que só tem olhos para o próprio umbigo? E por quem se sofre, se mata e se morre estupidamente?
Um país que de há muito deixou de ser república, se um dia foi, para ser um estado profundo, paralelo, sem nome, sem cara e sem lei, que a tudo e a todos domina. Um país onde as leis vigentes são reinterpretadas conforme a intenção e a conivência de quem chega ao poder e dele não abre mão. Um país de muitos feito para poucos. E onde se vive uma democracia relativa.
E mesmo assim, em meio a tudo isso, um homem, durante 6 décadas, foi capaz de levar alegria e esperança aos brasileiros, através da televisão. Sempre elegante e bem vestido, com seu inseparável microfone pendurado ao pescoço. Com seu jeito único de se comunicar, seu sorriso fácil e constante. Um homem que viveu 93 anos. E trabalhou desde os 14. Formou uma grande família. Empreendeu. Muito. E como todo bom judeu, do dinheiro fez dinheiro, como deve ser. Abriu inúmeras frentes de trabalho, a maioria delas, bem sucedida.
O dinheiro, ao contrário do que muitos dizem, é uma benção. E quando nas mãos de pessoas sábias, inteligentes, capazes e trabalhadoras, ele tudo pode. E ele tudo faz. E tudo o que faz é bom.
Senor Abravanel, como poucos, entendeu isso. E por isso, Silvio Santos tornou-se um mito.
Ouvi apreensivo as 9 badaladas do pontual relógio da Matriz de São João Batista. Hora ideal pra tomar um café no Datavenia, na esquina, ao lado, nesta manhã ensolarada e quente. Pausa. Vamos esquecer um pouco as mazelas e contradições deste país que tanto nos incomoda. Vamos sorrir e cantar. Afinal, alguém já disse: Do mundo, não se leva nada. Não mesmo.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Reprodução/internet