Um homem de verdade deve se vestir bem e adequadamente. Camiseta, bermuda e chinelo, só mesmo nas férias ou aos finais de semana… Não é mesmo, pai?
Mas, um segundo se passou e o pai não respondeu. Justo ele, um defensor das tradições, um conservador convicto. Um sujeito íntegro, de moral ilibada, que tinha resposta para tudo na ponta da língua, e que acreditava que os fundamentos do homem de bem estava no conhecimento, no trabalho e na família.
O cachimbo e o pacote de fumo, de aroma agradável, estavam na mesinha de centro da sala. Num aparador, mais adiante, próxima à janela, a garrafa de vinho tinto, suave, e a de licor de jabuticaba, e também os copos, de vidro, novos, que Ismênia havia limpado com álcool minutos antes.
O jovem Maxwell deixou que seus olhos percorressem um pouco mais o interior da sala, aquele ambiente sempre festivo, mas agora, envolvido por um silêncio profundo, como se tudo ali, móveis, objetos e a cadela Samira, deitada no tapete, aos pés do pai, reverenciasse aquele momento.
O sol havia desaparecido entre nuvens, de modo que o ambiente escurecera muito rápido, bem antes que o habitual, ainda que as janelas da sala continuassem abertas. Seis e meia da tarde, naquela época do ano os dias eram longos, quase intermináveis, demoravam a sucumbir à penumbra da noite. Os dias eram hesitantes nos seus estertores, demoravam a morrer. O sol ia se deitando, aos poucos, lentamente, contrariado. Tão diferente do pai que o jovem Maxwell tinha diante dos seus olhos: conformado, comedido, sem causar espanto, sem fazer alarde, quieto. O dia reclamava por mais tempo, se recusava a ceder ao inevitável. O pai, não. O pai depunha as armas, deitava as palavras, abraçava o silêncio, entregava-se, braços abertos e destemido, à escuridão. Havia o pai colocado o seu melhor perfume, após o banho habitual da tarde. Não fizera, entretanto, exigências, quanto à vestimenta. Fora para a sala vestindo o roupão de banho, recusara o cachimbo e o fumo, para o espanto de Ismênia. Recusara também os chinelos, ficara descalço, alisando com os pés a cachorra Samira, fazendo-a adormecer, antes dele.
Quando o jovem Maxwell chegou, o pai dormia. E certamente não ouvira a sua pergunta sobre o modo adequado para um homem de bem se vestir. Mas imaginava conhecer o pai o suficiente, por isso continuou a percorrer os olhos pela sala, mas logo se cansou de observar as mesmas coisas de sempre e por isso foi até a janela. Afastou um pouco mais a cortina e deteve-se a observar com certa decepção o céu que ia escurecendo, tornando já visíveis algumas estrelas, ainda que pequenas e quase sem brilho. O instante que antecedia a negritude plena do céu, por doze horas ou mais, ou menos, causava-lhe certa angústia, fazia-o deparar-se com uma inquietante sensação de ausência, de algo que se afasta, abandona, desaparece, depois de muito sofrimento, sem deixar a esperança de que possa voltar. Era assim que as coisas aconteciam e que ele via tudo acontecer, desde que se conhecia por gente. Viveu em silêncio o instante de ausência que a noite iminente lhe causava. Olhou às suas costas, e reparou que a cachorra havia se ausentado. O pai, na poltrona, permanecia, na mesma posição, o olhar na mesma direção, imóvel, calado. Pensou repetir-lhe a pergunta sobre o modo mais adequado para um homem de bem se vestir. Esperou um pouco mais, e desistiu da ideia. Já sabia a resposta.
(Trecho do romance “O Homem Incompleto” de minha autoria, ainda inédito).
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Reprodução Internet