Toda vez que vejo mudanças de comando no Brasil, nos estados e nos municípios, lembro-me de um conto de Rubem Alves.
O conto falava de um bando de ratos que vivia em um buraco. Tinha todo o tipo de ratos, de diferentes tamanhos, cores e idades.
Essas diferenças não eram notadas, pois um sonho comum, um queijo enorme, os fazia irmanados. O queijo cheiroso, pertinho dos seus narizes, comê-lo seria a suprema felicidade… Bem pertinho é modo de dizer.
O queijo estava imensamente longe, porque entre ele e os ratos estava um gato malvado com dentes afiados e não dormia nunca.
E a história continua, com os ratos se reunindo, alguns discursavam, denunciavam o comportamento dos gatos e faziam críticas filosóficas dos gatos. Segundo alguns, quando o gato sumisse, todos seriam iguais. “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos, “então todos serão felizes”…
Sonhavam. Nos seus sonhos, comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem; crescem sempre.
Até que um dia, sem explicação, o gato sumiu e o queijo ainda estava lá. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era.
O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.
Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Aí, começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca do outro, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram.
Arreganharam os dentes. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si.
O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando. Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato: o olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo, vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.
“Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência!”. Ou não seria? O que aconteceria se o gato voltasse e quisesse acabar com os ratos?…