Imagine um cenário com carros em alta velocidade no meio de uma cidade sem trânsito, quase deserta.
Nos anos 60, os 500km de Brasília eram o principal evento esportivo do país.
A Capital Federal tinha cerca de 400 mil habitantes e as disputas chegaram a atrair 100 mil pessoas, que se deslocavam até a região da Rodoviária para assisti-las.
Mas em 1967, tudo mudou na história de Brasília e do automobilismo nacional, quando a corrida ganhou um protagonista pra lá de especial: o carro Patinho Feio.
Construído pelos amigos Alex Dias Ribeiro, Helládio Toledo, Zeca Vassalo e João Luiz da Fonseca na improvisada oficina Camber, o Patinho Feio foi fruto do sonho dos jovens rapazes (com média de 18 anos) de participar dos 500km de Brasília.
Com o prazo apertado de apenas 21 dias, o carro ficou pronto depois de muito improviso, poucos recursos e boa dose de disposição. Apesar de o quarteto ser tratado como “os meninos” por automobilistas, a criação do “bólido” foi um acontecimento.
E esse é justamente o tema de O fantástico Patinho Feio, documentário premiado na 50ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2017, e que foi incluído na lista dos melhores filmes de Novembro de 2018.
Mesclando imagens atuais – o carro ainda está intacto – e da época em que Patinho Feio foi construído, o documentário também aborda a paixão pelo automobilismo. “Toda a nossa energia foi para aquele carro, feito com muita dedicação e devoção. Viramos noites. Foi um negócio extraordinário para quatro moleques entre 16 e 18 anos”, conta Alex Dias Ribeiro, um dos construtores do automóvel.
O filme conta também com depoimentos de personalidades ligadas ao esporte, como o bicampeão mundial de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi, o jornalista Reginaldo Leme e o historiador Roberto Nasser.
Como foi feito o carro
O protótipo Camber foi construído sobre um chassi de um Volkswagen 1200, aproveitando os restos de outro Fusca – no caso, um carro capotado pelo dr. Isaac, pai de Alex Dias Ribeiro. Com uma ajudinha do funileiro Moyses, saiu daquela oficina um monte de lata que fez a turma morrer de rir quando o carro entrou no grid dos 500 km de Brasília, em 1967, pelas mãos de Alex, então um aspirante a piloto profissional que tinha 19 anos na época e por João Luiz da Fonseca.
As posições de largada foram definidas por sorteio: coube aos dois a bolinha 33, do 33º – e último – lugar do grid. Isso não foi empecilho para que o estranho carro terminasse em segundo lugar.
Foi o início de uma bonita história que durou até 1972 e o protótipo Camber, mesmo com sua aparência insólita, era competitivo e colecionava bons resultados.
Correu em diversas pistas (inclusive, no antigo Autódromo do Rio de Janeiro) e até Nelson Piquet, em início de carreira, andou nele – e consta que até venceu a bordo do carro numa prova regional, em Goiás ou Brasília, não se sabe ao certo.
Roberto Pupo Moreno, parte da história da Camber, não chegou a guiar o protótipo porque não tinha idade legal.
O Camber continuou correndo até 1970, com motor 1600 e um aerofólio móvel na traseira. Em 1972, o iniciante Nelson Piquet, então funcionário da Camber, repotencializou o protótipo, instalando um motor 2000 e com ele venceu diversas provas regionais. O carro foi restaurado em 1981 e 1996, estando até hoje em posse de Alex.
E essa oficina, que se tornou lenda por revelar três pilotos que chegaram à Fórmula 1 e por colecionar alguns bons resultados com um protótipo construído com restos de um Fusca capotado, completou meio século no ano passado.