Naquele cubículo escuro, úmido, apertado, fétido, ele se permitia lembrar da última vez que vira a luz. Subia a montanha acompanhado de seu filho mais novo que tanto pedira para conhecer aquele lugar.
Sabia que suas chances de voltar eram quase nulas. Mas queria dar ao filho a oportunidade de poder respirar o ar puro da montanha e tomar contato com a luz do sol na sua pele, aquecer o seu corpo pequeno e frágil.
Fizeram um grande esforço para chegar ao lugar mais alto possível. Quanto mais alto, mais perto do sol. Dissera isso ao filho logo no início da subida, esperando com esta frase motivá-lo. O filho entendera e em silêncio, resignado, queria apenas corresponder às expectativas do pai. Alguma coisa demonstrava que o pai tinha no filho a sua última esperança.
A partir de um determinado ponto, o vento tornara-se mais forte, mais intenso e mais gelado. O pai pensara voltar, o filho não. Um sentimento que não sabia definir ao certo, tentava convencer o garoto que além daquelas montanhas, do outro lado, o lado desconhecido e temerário, havia algo de bom e bonito. O pai compreendia que sentimentos como esse só fazem mesmo morada nos corações ingênuos e puros das crianças.
Mas, então, ouviu-se um estampido que ecoou ao infinito, sem cessar. O sol, bem alto, foi se apagando aos poucos e uma sombra muito grande foi se deitando sobre o mundo. Não havia mais estrelas no céu, apesar da noite que chegava para sempre. E embora sua vida e tudo à sua volta parecesse se diluir, se desfazer, naquele nada infinito, profundo e escuro, ele, o pai, conseguia manter-se consciente. Resignado, compreendeu que sua vida não significaria muita coisa naquele mar eterno de solidão e silêncio.
Foi nesse instante que deu conta da ausência do filho. A mãozinha pequena e frágil do menino já não segurava a sua. E por isso teve medo.
Eu me chamo Josafá, disse a si mesmo. Disse em voz alta. Mas percebeu que sua voz não se propagava no espaço. Aos poucos seus pés foram se afastando do chão e, no instante seguinte, ao grito inaudível que saíra de sua boca, sentiu-se livre, leve, solto, a viajar sem rumo, sem o peso do corpo, no espaço infinito.
Uma expectativa angustiante tomou conta de si. Logo percebeu que, apesar de tudo, não perdia a consciência de si mesmo. Se isto era bom ou ruim, não sabia. Talvez a resposta viesse com o tempo, ou não viesse. Talvez as coisas se modificassem em algum momento. Ou continuariam como estavam para todo sempre.
Nenhuma das alternativas o incomodava. Porque, apesar de tudo, mantinha-se vivo. E já não tinha medo. Não mais. Lembrou-se do filho, de repente. Fechou os olhos e pôde vê-lo como nunca até então. Feliz, sorrindo, correndo, por uma estrada larga, longa, cheia de árvores e flores e vida. A luz do sol, a iluminar o mundo. O ar puro e refrescante. O filho correndo, ao encontro da felicidade. E ele, o pai, preso ao silêncio, à solidão, ao nada. Preso à escuridão do tempo infinito, sem vida. Preso, em si mesmo. Na consciência de si mesmo. Esperando, em algum momento, libertar-se.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Imagem ilustrativa/Reprodução