Acalme-se leitor, apressado! Não se trata de devaneio da parte deste reles escriba que ocupa às terças-feiras, esse disputado espaço na página 2 do indispensável Diário do Rio Claro.
Acontece que, em 1976, pela primeira vez, botei a busanfã em um banco escolar. Tinha 7 anos. Papai e mamãe, não sei os motivos, me dispensaram do Pré-Primário. Já fui logo entrando de sola, na primeira série. A escola ficava a apenas 100 metros, acho que nem isso, lá de casa. Morávamos na avenida 36 entre ruas 4 e 5 No. 618, bairro São Judas Tadeu.
Era uma rua alegre aquela onde morávamos. Cheia de crianças quase todas da mesma idade. Isso, por vezes, tirava o sossego das pessoas mais idosas, nossos vizinhos. A rua asfaltada acabava virando campinho de futebol, assim como o quintal lá de casa, acabava virando, também, para o desespero de minha mãe que tinha o maior ciúme de suas plantas. Também os corredores de ladrilho vermelho da escola Monsenhor Martins, virava, no recreio, campinho de futebol, pista de dança e de atletismo. As coisas eram assim.
Incrível como, na minha lembrança tudo era alegria naquele tempo. Na Escola Estadual de Primeiro Grau Monsenhor Martins estudava-se da 1ª. a 8ª. série. Foi o período que lá estudei. Dos 7 aos 14 anos. Memoráveis anos. Da infância à adolescência. Da ingenuidade à puberdade.
Cheguei desacreditado para o meu primeiro dia de aula, bem me lembro. Desacreditado de mim mesmo. Como se dissesse, meio enxabido, o que estou fazendo aqui neste lugar meu Deus?! Mas havia alguém que se interessou por aquele menino loirinho, de olhos azuis, cara de sonso, que tomava uma dose generosa de Comital, todas as noites antes de dormir, o que o fazia perder literalmente as manhãs para o sono. E, justamente, por essa razão, fora matriculado nos primeiros dois anos de escola no período da tarde.
A pessoa que por mim se interessou com devotamento e abnegação, era uma senhora muito bem vestida, muito bem penteada e que usava perfume agradável. Tinha voz e olhar firme, que nos passava confiança e impunha respeito. Foi ela, a Dona Maísa Camargo, a professora do primário, que, com paciência monástica, me ensinou a pegar o lápis corretamente para que, enfim, eu aprendesse a escrever. Embora na minha mente doidivana de todo escritor precoce, eu já o fazia, com aqueles garranchos nos cadernos velhos de escola de meus irmãos. Que nada! Eram apenas garranchos, mesmo; rabiscos, nada além disso. Mas, eu tinha a plena sensação de que, estava sim, a escrever.
Fiz bons amigos na Escola Monsenhor Martins. Amigos que trago até hoje, se não no convívio agradável de todos os dias, eu os trago na lembrança. Na boa lembrança que me causam. Com o advento das redes sociais, encontrei alguns deles. E vez por outra conversamos à distância.
Minha geração foi aquela que viveu três revoluções em 30 anos. Aprendamos datilografia, digitação e a lidar com telefone celular, redes sociais, e-mails, whatsapp e coisa e tal. Ufa!
Na Escola Monsenhor Martins, aprendi alguns dos valores reais da vida: dignidade, honra, honestidade. Nem tudo eram flores? Claro que não! Quantas vezes não ouvi: Vou te pegar na rua, me espera lá fora. Ameaças que não eram necessariamente dirigidas para mim. Imagine! Eu, um fraco, tímido, envergonhado sei lá do quê e com medo de tudo e de todos, nunca me meti em confusão. Sempre tive dificuldade de me relacionar com as pessoas, principalmente, quando reconhecia que elas eram melhores e podiam muito mais que eu. Mas, tudo isso, era coisa de menor importância, porque o convívio com os amigos de classe, que se estendia para o futebol, me fazia esquecer dos problemas, das frustrações e dos medos.
Estudei os dois primeiros anos à tarde, com uma turma e, nesses dois anos, estive sob a orientação da Profa. Maísa Camargo, o anjo que Deus colocou em meu caminho. Depois, a partir da 3ª. série, passei a estudar de manhã. E aí, foi festa. Dona Neide Linardi Picolli recebeu muito bem em sua sala de aula, aquele aluno meio calado, meio esquisito vindo do período da tarde. Os colegas de classe, também, de modo, que, aos poucos fui me sentido à vontade.
A escola Monsenhor Martins, além de me proporcionar o básico em termos de ensino, também contribui para minha inclusão social, à medida que me proporcionou a experiência única do pertencimento, do companheirismo, da amizade duradoura.
Minha primeira redação, na 7ª. série, com a Profa. Marili Penteado, que escrevi para amedrontar as pessoas que a lessem acabou por tirar risadas dos colegas de classe. Foi ótimo. Porque, por uns tempos, botei a pretensa escrita literária na gaveta e fui lidar com outras coisas pelas quais um adolescente deve se interessar: estudar e divertir-se com responsabilidade, conhecer coisas, lugares e pessoas que possam acrescentar algo de bom e de único em sua vida.
É uma pena que tudo passa tão rápido. De que o tempo, traz, além das rugas, as decepções. O tempo traz os cabelos brancos. No meu caso, levou a maioria deles. O tempo transforma o olhar das pessoas. Transforma o olhar apalermado de um garoto de 7 anos em um olhar sereno de um homem maduro de 55. A serenidade que nos ensina a não esperar nada das pessoas e da vida. Nada que eles não possam nos oferecer. Ainda hoje, por vezes, passo diante da Escola Monsenhor Martins, diante da Praça de São Judas Tadeu e desço pela avenida 36. Parece que posso sentir os mesmos ares daqueles dias, a mesma atmosfera. Mesmo sabendo que as pessoas que fizeram parte de minha vida já não se encontram mais naquela escola, naquela praça, naquelas casas daquela avenida. Houve tempo em que essa saudade me causava dor e tristeza. Mas, hoje, me dá a certeza, de que vivi. Ali, eu vivi, os meus dias felizes.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Imagem ilustrativa/Reprodução