Olá Geekers amados!
Hoje continuamos nossa série de entrevistas com pessoas que fazem e são parte da comunidade geek de Rio Claro e região.
Vamos falar com o famoso Jhonny do sebo e gibiteria Outras Histórias.
– Apresente-se
Meu nome não é Jhonny (e minha vida não dá um livro, muito menos um filme!!). Meu nome é Carlos André Ferreira da Silva, Jhonny é um velho apelido de pré adolescência, dos tempos de fliperama e inicio do descobrimento do rock ‘n roll. Já o carrego a mais de 40 anos! Tenho 56 anos, divorciado, pai de uma garota, a Gabriela que me traumatiza por não gostar de Star Wars mas é uma leitora voraz e adora cinema, o que penso, serve de compensação. Pai de um garoto, o Carlos Eduardo, esse é tipo nerd 2.0, de HQ a mangás, ficção fantástica, RPG, filmes e games, traça todas as formas de se narrar uma boa história!
– Há quanto tempo existe a “Outras Histórias”?
A loja já existe a 30 anos, do início numa garagem na rua 3, até agora no endereço que já ocupo há 27 anos.
– Conte um pouco sobre a “história” do nome “Outras Histórias”?
A loja começou com outro nome, era História Discos e Livros, e no início era somente um sebo mesmo, a ideia era trabalhar somente com material, livros, discos, fitas VHS, hqs, usados, com compra, venda e troca. Esse nome foi escolhido porque a humanidade registra sua história através de livros, discos, revistas, filmes…acabei achando interessante o nome para um Sebo de livros e discos. Depois, já na metade dos anos 2000, e com mudanças no mix de produtos vendidos na loja (passamos a trabalhar mais com produtos novos como livros de RPG, cardgames, e os lançamentos de quadrinhos e mangás) achei interessante trocar de nome, passou a ser Outras Histórias Sebo e Gibiteria, pretensamente penso que oferecemos mais do que best sellers e produtos com grande divulgação nas mídias, oferecemos as “outras histórias”. Ah!! “Gibiteria” vem do fato que no Brasil histórias em quadrinhos são conhecidas como gibis, por conta de uma revista de história em quadrinhos muito famosa dos anos 1940 chamada “Gibi”, e ainda que tenhamos um acervo de HQ’s e mangás dos maiores do interior paulista, nunca gostei do nome “Comic Shop” para lojas de quadrinhos… Nós temos nossa própria palavra para isso; Gibiteria!
– Hoje é notória sua importância no meio cultural pop de Rio Claro e região, mas como começou essa sua trajetória, até a abertura da loja?
Se é notória certamente se faz pelo tempo que aqui estou hahahahaha. Sabe aquele pensamento que aparece na mente de um pré-adolescente do tipo, “gosto tanto disso que gostaria de trabalhar com isso quando crescer”? Pois bem, esse é o início. Sempre gostei de ler, de tudo, mas HQ’s em especial, depois de anos frequentando bancas de revistas, sebos e livrarias abri uma banca de jornal e revistas em frente ao DAAE, isso em 1986, durou pouco, fui convocado para o serviço militar e tive que me desfazer da banca, em 1987 fui trabalhar na distribuidora de publicações da ed. Abril aqui em Rio Claro, lá fiquei até 1992. Na época fazia faculdade e me aventurei num outro emprego, no ramo imobiliário, construtora e incorporadora. Durante os anos 1980 eu ia com frequência à Campinas para visitar os sebos da cidade, atrás edições de quadrinhos, livros e LP´s, e sempre gostei da dinâmica e da diversidade de um sebo, a gente nunca sabe o que vai encontrar em um! Aliás deixo aqui uma frase que ouvi a muitos anos e uso até hoje; “Sebos de livros e discos são lugares onde vamos procurando algo que nem sempre encontramos e descobrimos outros que nem sabíamos que existiam”! Outro motivo que me levou a abrir um sebo foi o capital financeiro restrito, o que mais tinha eram minhas coleções de quadrinhos, meus LP´s e uns tantos livros, muitos arrecadados entre meus irmãos.
Decisão tomada, foi pedir demissão do emprego, alugar uma garagem na rua 3, comprar umas estantes, passar um fim de semana chorando enquanto colocava preços para venda nos itens das minhas coleções e abrir as portas no dia 11/11/1993.
O resto é história!!
– Sabemos que comparativamente à população culturalmente e economicamente ativa, a porcentagem consumidora é ainda pequena em nosso país. Pontue, em sua opinião, a época que foi mais próspera nesse sentido.
Acho mesmo que a época mais próspera é agora, nunca se produziu e se consumiu tanta cultura quanto agora, mas é certo que a maneira de se consumir e produzir cultura mudou, e muito!! Tenho minha formação mais administrativa e financeira dentro do sistema “bancas de jornal”, onde puder ver os números envolvidos no consumo aqui de Rio Claro e números regionais e nacionais de tiragem e circulação de muitas publicações, as bancas de jornal foram até pouco tempo atrás um centro de divulgação de notícias e de cultura, hoje com o aumento e facilidade de acessos dos meios digitais não são mais. Ainda assim o nº de títulos de Hqs lançadas nunca foi tão grande, e as editoras prometem mais títulos para este ano. Aliás, a produção e lançamento de livros e Hq’s digitais tornou muito mais fácil para um autor divulgar sua obra, e não raro, primeiro sai em digital para depois sair em formato físico, muitas das vezes por alguma plataforma de crowdfunding (financiamento colaborativo/coletivo) e isso amplia em muito a possibilidade do autor lançar sua obra e de o leitor ter acesso a ela. Isso para falar de publicações, se falarmos de música com os streamings… nunca se ouviu tanta música antes!! E também a produção ficou mais acessível, a tecnologia permitiu isso, hoje é relativamente barato ter um estúdio com muitos recursos e produzir música, e coloca-la a disposição em um streaming sem a necessidade de um formato físico, que pode ser produzido depois.
– O público que “circula” na loja, tem uma extensa faixa etária, “dos 08 aos 80”, podemos assim afirmar? E complementando, “o que”, cada fatia desse público procura mais, e qual o mais consumidor?
Literalmente o público vai dos 4 aos 86 anos, público que vem à loja já com o que procura em mente. Os mais jovens, até 8 anos, vem atrás dos gibis da turma da Mônica, ouso dizer que 8 em cada 10 jovens praticaram suas primeiras leituras com os personagens do Mauricio de Souza, e de livros infantis, claro, trazidos pelos pais, as vezes os avós mas escolhem os livros e gibis que querem. Talvez esta seja a única faixa etária que consigo visualizar e quantificar o que procuram, a partir desta faixa etária, até pela diversidade de itens que a loja tem não consigo. E histórias em quadrinhos e mangás são procuradas por todas as faixas etárias!!!! E eu diria que o mais “consumidor” seria o jovem adulto de 20/30 anos, e literalmente em todas as “seções” da loja.
– E sobre o bom e velho rockn’roll, qual sua preferência e ídolo, ou ídolos, bandas, cantores?
Música sempre fez parte de minha vida, de meu pais aprendi a ouvir moda de viola, Nelson Gonçalves, Angela Maria e cantores da velha guarda, de minhas irmãs mais velhas aprendi a ouvir MPB, aquela de protesto dos anos 70 e também o pessoal do Clube da Esquina, e música Pop, de meu irmão mais velho o bom Rock n’ Roll. Mas eu diria que o primeiro som que me influenciou foi o Punk Rock, lá no início dos anos 80, mas curioso que sou nunca restringi o que ouvia e ouço, e o que carrego comigo pra sempre são os discos do Led Zeppelin, puro hard rock setentista. Sem nunca deixar de lado bandas de classic rock, muito Blues, um tanto de Soul Music e uma pitada de Jazz, que ainda vou entender melhor!!!!
– E essa paixão pelas “bolachas” de vinil?
Ah, é paixão mesmo!! É memória afetiva também, já que quando comecei a ouvir mais música este era o jeito mais legal de se ouvir música, colocar o disco na agulha!! Discos de vinil são a mais longeva e charmosa forma de se ouvir música, de se compartilhar música, lembro-me de ir à casa de amigos, ou convidar amigos para irem em casa, para ouvir o novo disco da banda “A” ou “B”, juntava-se pessoas para ouvir música!!! Tenho certeza que hoje se ouve mais música, mas cada um com seu fone de ouvido…Colocar um vinil para ouvir é quase um ritual, pegá-lo na estante, tirar da capa, colocar no toca-discos e posicionar a agulha… uma vez iniciado o som a gente se distrai com a capa e o encarte, que são obras a parte, costumo dizer que um disco tem duas artes, a primeira contida em suas trilhas, a música propriamente dita, a segunda a sua arte gráfica, nas capas e encartes. Já tive discos em minha coleção só pelas capas!!
– Muita coisa mudou desde que “nerd” era uma palavra pejorativa. Hoje “geek” tem uma outra conotação. Conte, na sua opinião, sobre essa transição e o que você “visualiza” como sendo o “Universo Geek” hoje, já que você faz parte dessa comunidade e é referência na cidade e toda a região.
O Universo Geek pode ser colocado como o Universo Nerd com tecnologia aplicada, né? Bill Gates certamente era Nerd até os anos 90, agora deve ser Geek hahahaha. Brincadeiras à parte, nem sei se foi uma transição, só foram sendo acrescentados interesses tecnológicos, novas tecnologias a um universo já bem vasto de interesses culturais. E essas novas tecnologias mudaram os meios de acesso e produção deste universo cultural, e as possibilidades de histórias e interação entre as pessoas, entre si e dentro das próprias histórias, como os games de realidade virtual por exemplo.
E agora, com as IA’s, o mundo e Geeks nunca mais serão os mesmos!!
– Como você “vê” hoje, o momento cultural de Rio Claro?
O momento cultural de Rio Claro está rico em variedade, como sempre por sinal, até por fazer parte dele e atender parte deste público sempre vi Rio Claro com atividades culturais variadas, do teatro do Sesi aos shows musicais, das edições independentes de música, livros e HQ’s. Claro, sempre pode melhorar e ter mais, mal não iria fazer não!!
– Como parceiro também do Geek Pop Fest, acha importante eventos culturais como esses?
Acho importante e cada vez mais, a mesma tecnologia que nos proporciona acesso a variada produção cultural ou de entretenimento em alguma medida afasta as pessoas de se encontrarem pessoalmente, exemplo colocado ali em cima sobre música…Para além da divulgação deste universo e suas novidades eventos são mais que isso, são ponto de encontro de pessoas com interesses semelhantes, não é incomum pessoas que se conhecem e interagem virtualmente marcarem encontros em eventos, seja nos GEEK Festivais, ou em Feiras de Discos para os fãs desta mídia, ou qualquer outro evento temático.
– Em tempos de metaversos, mundo digital, bigtechs, streaming, apps, realidades virtuais e AIS, como você explica a sobrevivência (graças a Deus) de “oásis” como a “Outras Histórias”?
Hahahahaha, ri do “oásis” agora!! Agradeço, fico lisonjeado.
Penso que em grande parte é teimosia mesmo, mas sem falsa modéstia acertei e tenho acertado em trabalhar em nichos de mercado, que por vezes se tornam menos nicho e mais mercado mesmo. Com Hq’s leio e colecionei desde o fim dos anos 70, e trabalho comercialmente com isso desde 1986 (minha primeira banca de jornais), numa época que Hq’s não era tão festejada e nem mangás ainda tinham saído por aqui, e nunca desisti, toda atenção da mídia com os filmes, games, histórias paralelas ajudaram muito a divulgação e criação desta cultura.
Com livros, o item que fecha a “trindade” de um sebo (ainda que trabalhemos com mais itens na composição do mix de vendas) não foi diferente, sempre oferecemos bons livros, usados, mas em excelente estado de conservação.
Isso posto, tenho certeza que a variedade de histórias que a loja oferece, e a maneira que tratamos os exemplares usados, são nosso principal atrativo para que aqui estejamos, e ainda pretendemos estar aqui por mais tempo.
– Em um post recente do nosso também parceiro “Corvo”, vimos que ele reencontrou um vinil dele em sua loja, anos depois e o comprou de volta. Conte uma boa “história” que aconteceu na loja.
Olha, tem várias pequenas histórias que me fazem sorrir sempre que me lembro delas…
De um casal que se conheceu aqui na loja, entre as estantes de livros, os dois leitores ávidos… engataram um relacionamento e poucos anos depois me pediram pra fazer umas fotos aqui na loja para o book de casamento deles. Abri a loja em horário especial para isso, e com enorme sorriso!!
Teve um caso curioso de um senhor que morando em Rio Claro naquele momento (2010 +/-) veio procurar um livro para reler, e contou que tinha este livro quando estudava em São Carlos e quando saiu de lá formado para trabalhar pelo Brasil vendeu seus livros por lá, em outro sebo, fui procurar na estante o livro pedido (A Idade da Razão de J. P. Sartre), ao entregar o livro para ele, percebi que ele estava emocionado, era o mesmo exemplar que tinha lhe pertencido, com a assinatura dele e tudo!!!
São muitas as pequenas histórias, e gosto delas!
– Para terminar, mande um recado para essa nova geração que está aí imersa nesse mundo cada vez mais “virtual”.
Por mais que o mundo virtual empolgue, até pelas possibilidades que oferece, nada substitui um abraço real, entre duas pessoas que se admiram!!!
OUTRAS HISTÓRIAS: Rua 6, 1237 – Centro – Rio Claro – Whats: 99899 5558
Insta: @outras.historiasrc
Gostou? Comentários, dicas e qualquer coisa que queira falar, mande para geekpopfest@gmail.com
Até a próxima, aventureiros.
Por: Celso Marcondes Filho / Fotos: Divulgação