Fred Nilbon, 54 anos, 1 metro e 70 de altura, 82 quilos, mal distribuídos, é um inveterado leitor deste jornal Diário. Já o era desde a adolescência, quando o pai, ainda vivo, assinava o “centenário”, algo obrigatório para quem se interessa em manter-se atualizado.
Era o tempo em que Moacir Martins escrevia a página de esportes, com a mesma paixão com que fazia seu programa à hora do almoço na finada Rádio Educação e Cultura. Isto por volta de 1980 e mais alguma coisa. O mais alguma coisa fica por conta da imaginação do leitor.
Vejam que, naquele tempo, os telefones ainda tinham 6 dígitos e o jornal publicava o “indicador médico”, que, certas edições, consumia quase uma página inteira.
Mas, Fred Nilbon sempre fora um sujeito antenado com as novidades e além da edição impressa de cada manhã, soube que ele também passara a receber gratuitamente a versão digital do Diário, via whatsapp, que chega aos assinantes, às primeiras horas de cada madrugada.
Como conheci esse sujeito, é tema para outra oportunidade. Lembro-me que Fred Nilbon era bastante chegado entre seus amigos. Meia dúzia deles, seis ou sete amigos, não mais.
Topava qualquer aventura, marcava sempre presença aos eventos, ainda que, meio caladão. Seu estilo outsider de levar a vida, fez com que se tornasse personagem do romance de um escritor meia boca desta cidade azul.
Eu acompanhava seus passos à distância, naquele tempo. Não que isso fosse importante para mim. Acontece que, por uma dessas irritantes coincidências, eu sempre estava nos lugares onde ele estava. E de certa forma, Fred era o tipo do sujeito que eu gostaria de ser. Se tivesse vocação para tanto.
Eu não fazia sucesso com as mulheres. Elas me evitavam, simplesmente, sem que eu encontrasse motivo para tamanha desfeita. Era assim na escola, entre as primas, na igreja onde eu ouvia missa, no clube onde nadava – força de expressão, bem entendido – nas discotecas da cidade e da região, onde, vez por outra, eu dava as caras, rezando pela hora da morte, para encontrar alguém que me dissesse: vamos embora. Sim, vamos embora! Esta pessoa, nunca fora Fred Nilbon. Mas que nome mais pedante!
O pouco que sei sobre sua vida foi de ouvir falar. Até que, o cara desapareceu. Os dias foram passando sem que eu o visse, ainda que, sempre à distância. Alguém disse, certa ocasião, em algum lugar, que havia se mudado de cidade. Fora estudar economia. Não, jornalismo. As informações eram desencontradas.
Cheguei a perguntar sobre o figura para o barman que lhe servia o seu habitual dry martini, aos sábados à noite, na Boate Babalú. E nada!
Mas, então, por uma dessas coincidências inexplicáveis da vida, eu o encontrei, dia desses, sentado num dos bancos do ônibus, que tomo todos os dias, por volta de seis da tarde, do trabalho para a casa.
Lá estava ele, com o seu Diário debaixo do braço. Com muito má vontade, respondia às perguntas de uma senhora, sentada ao seu lado. E parece ter dado graças a Deus, quando a senhora levantou-se e se despediu e desceu no ponto seguinte. Fred também desceu do ônibus, antes de mim. E nunca mais o vi, desde então.
Ontem, eu caminhava pela avenida central do cemitério voltando do sepultamento de uma coleguinha que desistira da vida, ainda muito jovem. Passei ao lado do monumento do soldado desconhecido e observei escrito com giz no quadro negro onde se registram os sepultamentos do dia: Fred Nilbon, 54 anos, 17 horas. Nenhum pouco abalado, saí dali para tomar um café, não sem antes comprar o meu Diário na banca ali perto.
Por Geraldo Costa Jr. / Imagem ilustrativa/ Foto: Reprodução