Não faltam explicações para justificar a proclamação da República no Brasil.
Nenhuma explica por que até hoje a coisa pública não deu certo. Visto de longe o enredo dos fatos pode ter uma interpretação reduzida: São Paulo era um trem a todo vapor que precisava de lenha e o Império negava. A disposição paulista era mudar o regime pelo voto e assumir o governo. Uma minoria falava em revolução.
A mobilização ia devagar. Até que conspiradores urbanos do Rio de Janeiro aliciaram militares descontentes para derrubar o governo e dividir o poder com eles. Dado o golpe, os paulistas ruralistas aderiram para não perder a vez. Desconfiavam dos militares.
Brasileiros de norte a sul nem tomaram conhecimento do que aconteceu. Não confiavam nos republicanos. Gostavam de D. Pedro II. Mas não aprovavam o seu governo. D. Pedro II estava velho e cansado. Sabia que o fim do Império era questão de tempo. Não gostava de ser imperador. Dizia que preferia ser professor. Entregou o governo de bandeja.
Os golpistas lhe ofereceram um dinheiro como pensão. Ele recusou e foi morrer em Paris. Uma vergonha para a história nacional, já que se tratava de, possivelmente, o mais ilustre brasileiro de todos os tempos. Foi um caso menos trágico na história do mundo. Na Rússia os comunistas optaram por assassinar a sangue frio a família real inteira, as crianças inclusive.
Quanto ao novo governo. Com muita gente dando palpite sem saber a lição de casa, seguiu-se uma ditadura militar. Muita gente morreu nos anos seguintes. Civis e militares nunca mais se entenderam. Bajularam-se de vez em quando. A República seguiu como um mal entendido. Até hoje o povo não foi informado do que estão fazendo em seu nome, a não ser que 15 de novembro é feriado.
OS PAULISTAS
Os fazendeiros que logo depois da Independência (1822) vieram pegar no pesado para desbravar os sertões de São Paulo logo perceberam que aquele era um bom negócio. O interior paulista tinha futuro. Iria valer a pena, sobretudo por eles contarem com escravos trabalhando de graça, descontado o pagamento da aquisição.
Mas perceberam também que para ir em frente precisavam de dinheiro para investir. Os custos eram altos. O transporte da produção era quase inviável. Dez dias no lombo de mula para exportar por Santos. Quinze dias com chuva. Um mês ida e volta. Na época não havia BNDES para molhar a mão dos empreendedores. Eles dependiam de dinheiro a juros dos traficantes de escravos. Ou de ingleses.
O desespero bateu quando eles perceberam que a escravidão iria acabar. Era questão de tempo. Inevitável. A única saída em vista apontava para o governo. Mas o acesso ao poder estava trancado às mãos dos amigos rei. A resposta era uma só: se meter em política. Foi assim que a campanha republicana começou.
Como candidatos, fazendeiros e seus associados passaram a disputar com os donos do poder e entre si para conquistar influência através de cargos públicos e eletivos. Disputava-se por tudo, juiz, delegado, escrivão, escalões diversos, fiscais eleitorais, serviços de empreiteiras. O imperador nomeava até bispos. O calor das disputas empurrava a modernização do sistema político. Alguma coisa iria acontecer. O risco do País se dividir em pequenas republiquetas preocupava a todos. O Império empurrava com a barriga jogando com o discurso da governabilidade.
Como os eleitores eram poucos, sem que houvesse movimentos sociais para serem manipulados, as disputas se davam entre grupos e currais eleitorais. Eram tensas. Chegavam ao cacete. Fraude era rotina. Em Rio Claro houve confrontos violentos. A imprensa local traz registros das ocorrências. Os partidos eram inicialmente informais e tinham dissidências, mas nada mudava. Os monarquistas se dividiam entre conservadores e liberais. Os republicanos se dividiam conforme o interesse do momento. Não raro, adversários faziam alianças. As eleições eram realizadas nas igrejas.
O voto era indireto e não era secreto. Desde seus primeiros momentos a República não deu muito certo. Talvez por dois motivos. Primeiro, porque os republicanos não souberam o que fazer quando assumiram o governo. Em segundo, para sustentar o governo eles fizeram tantos acordos com os antigos donos do poder que, se no início ficou tudo na mesma, depois, a coisa piorou. Seguiram-se dívidas públicas e violência. O que o País vive hoje é herança. Já havia alertado um paulista à época, “a República está proclamada, mas não pronta”.
RIO CLARO
Rio Claro é um dos berços da República. Lideranças locais atuaram desde os primórdios do movimento. Entre eles, podem ser destacados os de expressão nacional: Cerqueira César, Cândido Valle, Alfredo Ellis, Alfredo Silveira da Motta. Os líderes paulistas eram Campos Salles e Prudente de Moraes, de Campinas e Piracicaba. Entre as expressões municipais estiveram Joaquim Teixeira das Neves, Marcello Schmidt, Joaquim Salles e dezenas de outros. Sem contar dois barões locais que antes da mudança de regime tornaram-se republicanos, o Barão de Grão Mogol e o Barão de Piracicaba II.
O jornalista Zulmiro Ferraz dizia que em importância histórica na campanha republicana Rio Claro só perderia para Campinas. Apenas três ou quatro outras cidades podem ser incluídas neste quadro. Seja como for, o município tem ligação umbilical com as diversas fases da República, até pelo fato do rio-clarense Ulysses Guimarães haver presidido a elaboração na Carta Constitucional que fez retomar o regime republicano em 1988.
PIONEIRISMO
Rio de Janeiro e São Paulo compuseram seus núcleos republicanos, depois partidos, em 1870. Depois, veio Itu. Na sequência vieram Jundiaí, Piracicaba, Amparo, Itapetininga, Capivari, Botucatu, e Rio Claro.
Rio Claro era pioneira. Desde cinco anos antes, já em 1865, um núcleo republicano havia sido formado no município por Joaquim Teixeira as Neves e João Henrique de Araújo Cintra. Foi a primeira iniciativa em desafiar o poder do barão José Estanislau de Oliveira, que em 1870 receberia o título de Visconde de Rio Claro. Oliveira era monarquista liberal e dono do poder local. Naquele ano, Araújo Cintra era vereador na bancada republicana formada com Carlos Augusto de Salles e Joaquim de Almeida Camargo.
Na Câmara Municipal seguinte, do governo 1869 e 1872, a bancada republicana era formava por José Augusto de Azevedo, Joaquim Firmino de Oliveira e Antonio Francisco César.
A iniciativa evolui. Dos três vereadores de antes, a Câmara Municipal de 1873 a 1876 passou a ter quatro vereadores, Cerqueira César, Cândido Valle, Francisco Ernesto Malheiros e Francisco Villares Pinto Palha. O poder do Visconde de Rio Claro entrava em declínio, bem como o dos monarquistas conservadores como Antonio Augusto da Fonseca, Inácio Xavier de Negreiros, Arthur Guimarães, José Manoel de Aguirre, Lacerda Rodrigues Jordão e dos barões locais. O líder conservador e ex-vereador José Elias Pacheco Jordão havia se mudado da cidade desde que assumira o governo de São Paulo em 1868.
A evolução do poder republicano na Câmara Municipal se explica porque, a exemplo de São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades, Rio Claro acabava de formar seu partido republicano em grande evento que reuniu mais de duzentas pessoas no teatro Fênix. A partir de Itu, a campanha paulista se intensificava aproveitando o desgaste que governo imperial enfrentava em conflitos com militares e com a Igreja Católica.
CONSAGRAÇÃO
Na sequência veio a consagração. Em 1876, os republicanos vencem a coligação de conservadores e liberais monarquistas locais e faz maioria de dois terços na Câmara Municipal. De nove vereadores, elege sete. Eles exerceram o poder até 1880. Na época não havia prefeitura e os vereadores governavam o município. Sobre aquele momento, o pesquisador de São Paulo, Antonio Sérgio Ribeiro, comenta que Rio Claro marcou “o primeiro resultado de real importância para os republicanos no Império” ao eleger maioria de dois terços para a Câmara Municipal.
O momento era de desenvolvimento econômico e político, o que abria caminho para as reivindicações pela modernização do País. O trem chegava a Rio Claro. Havia sido criado o Gabinete de Leitura e fundava-se a Sociedade Philarmônica. As duas instituições estimulavam a liberalização da política.
Vale destacar os nomes dos pioneiros para um registro histórico: Joaquim Teixeira das Neves, negociante, 374 votos; Cerqueira César, advogado, 322 votos; Alfredo Silveira da Motta, advogado, 291 votos; João José Lobo Pessanha, engenheiro civil, 228 votos; Joaquim Alves da Silva, negociante, 225 votos; Carlos da Silva Araújo, agrimensor, 209 votos; Francisco da Silveira Mello, fazendeiro, 181 votos. O secretário da Câmara Municipal, que redigia as atas, Francisco de Arruda Camargo, também era republicano.
O caso de Rio Claro incentivou as lideranças regionais a lançarem candidatos nas cidades paulistas na eleição de 1880. Onze cidades conseguiram eleger vereadores para o governo seguinte. Indaiatuba elegeu sete. Amparo e Campinas, três. Outras três elegeram um. Rio Claro refluiu, elegeu só três. Figura insólita, Teixeira das Neves exige estudo à parte. Especulador financeiro e imobiliário, ele era dono de terras que seguiam do Inocoop ao Jardim São Paulo, passando pelo Claret.
MAÇONARIA
A ascensão republicana coincide com a origem da organização maçônica na cidade. A loja “Fraternidade III” foi fundada em 1868 e foi temporariamente desativada em 1876. Em seus últimos anos de atividades, seus presidentes haviam sido Cerqueira César e Alfredo Silveira da Motta, além de Thomaz Carlos Molina. A “Fraternidade III” ressurgiria em 1895 integrada à fundação da “Estrela do Rio Claro”.
Um fato fez 1878 uma data especial: a visita do imperador D. Pedro II e comitiva a Rio Claro. Grandes nomes do Império o acompanhavam. Na estação ferroviária, ele foi recebido pelos governadores da cidade, Cerqueira César e Joaquim Teixeira das Neves governavam o município. Foi hospedado pelo Visconde, que morava no prédio onde hoje é a escola “Marcello Schmidt”. Da visita rápida, de passagem, restou um mistério.
Segundo a tradição, D. Pedro II teria presenteado a cidade com uma espada da Guarda Nacional. Não se tem ao certo o motivo da cortesia. Prevalece a ideia de que tenha sido uma política de boa vizinhança com as lideranças de uma cidade governada por republicanos. A questão permanece em aberto para entendimento de seus significados. A espada hoje faz parte do acervo histórico da loja capitular “Estrela do Rio Claro”, que ainda não existia no ano da visita do imperador.
Por J. R. Sant’Ana