A Angústia e a Morte no Ato de Nascer, por
O nascimento, quando é atingido pelo preconceito, fere uma criança de tal maneira, mesmo que você não tenha noção de quem se é naquele primeiro momento.
Demorei três décadas e meia para compreender o que sofri, sem ter a mesma noção que um adulto teria (obviamente, haja terapia!). O poder das palavras e sua intencionalidade diante da questão cósmica e universal do que meu ser sempre gritou e pulsou tornou-se evidente. Contudo, seria quase impossível para uma recém-nascida entender o que é ser rejeitada pelo tom mais escuro de sua pele e cabelo ao nascer, e como o racismo já se tornaria uma de minhas lutas na vida. Em um segundo momento, percebo que meu pai foi minha primeira rejeição neste mundo.
Ao refletir sobre os pensamentos que surgiram em minha mente, penso em como deve ter sido cortante e criado um abismo dentro da minha genitora ao ouvir de seu próprio companheiro que não seria dele aquele bebê.
No entanto, agradeço à minha mãe por me dar a vida, por permitir que eu permanecesse em seu casulo, protegendo-me e me proporcionando o direito irrestrito de eclodir para o universo e ser quem sou! Se já tinha a compreensão imutável do quanto minha mãe é e foi guerreira, hoje não tenho nenhuma dúvida em meu coração e alma.
Minha mãe me quis, ela não me negou o primeiro “sim” à vida! Ela pulsou o ato de gestar, quando não me negou seu casulo de proteção, zelo, bem-querer e amor. Pois, como não ser amor o ato de dizer sim à vida de um ser que venceu desde o primeiro momento de sua existência como feto?! O universo me concebeu com amor, e isso me basta!
Quanto à rejeição que sofri no momento do nascimento, dói, angustia, dá um nó na garganta… lágrimas querem vir à tona, e deixo fluir tudo isso que está em mim aqui e agora.
Compreendo que só a mim cabe digerir e tenho que digerir o que me toma. Não posso engolir e achar que foram meras palavras proferidas por engano ou ignorância de famílias tradicionais que continuam a legitimar este ato de negligência, primeiro em relação a uma mãe, e em um segundo momento, a um ser, independentemente de sua condição ao vir ao mundo.
Estou no processo de entender que este primeiro “não” da vida me deu o primeiro “sim” para ser quem sou. O não se transformou em sim muitas vezes em minha vida, e com isso, lanço ao universo todas as minhas dores, angústias, daquele momento que não me recordo, mas que, mesmo sendo uma criança recém-nascida, sei que absorvi de alguma forma aquelas palavras e o sofrimento de minha mãe.
Aqui e agora, cabe a mim me acolher e perceber o quanto o dia do meu nascimento foi abençoado. Eu sou a criança ferida lá atrás, mas também sou a adulta que reconhece que o processo de transformação desse ato de ruptura é também o meu primeiro ato de conhecer e reconhecer o amor.
Texto escrito por um integrante da Rede Camões, sob curadoria de Rafael Cristofoletti Girro, aluno da Escola Estadual Marciano de Toledo Piza, de Beatriz Ribeiro Fausto de Jesus e de Vitória Ribeiro todas alunas da Escola Estadual Zita de Godoy Camargo todos pertencente a Rede Camões de jornais escolares. O texto tem caráter pedagógico.
Foto: Divulgação