O amigo Orlando Rossi, um dos rioclarenses mais conhecedores de música, ao lado do saudoso Dalton Paciullo, me chamou a atenção, dia desses, em uma rede social, para um texto que escrevi e publiquei no meu Blog Passa a Régua, em setembro de 2017. Não me pergunte, caro leitor e atenta leitora, como eu estava naquele ano, quais fatos importantes me ocorreram porque, certamente, não irei me lembrar.
O texto, em questão, é um poema meio prosa, uma daquelas coisas arrebatadoras, de momentos que não se repetem. Ninguém há de me tirar da cabeça que, poesia, é estado de espírito e o poema, uma forma de expressá-lo.
Resolvo-me melhor com os versos livres do que metrificados. E se possível, torno os versos, uma prosa discursiva, que, audaciosamente, anseia arrancar o leitor de sua realidade e levá-lo a uma outra dimensão da vida, onde razão e sentimentos adquirem novos ares e novos significados.
Não me considero um poeta, jamais tive tal pretensão, considero-me pouco para tanto. Mas, lido com os medos e as incertezas, as dúvidas e os desejos mais insanos, mais inconfessáveis, como o razoável escritor que me considero, que não atingirá certamente, nesta vida, o mesmo nível em que já esteve em vida pregressa. Mas, afinal, o que é a vida, senão um aprendizado? E este, o atual, é apenas mais um e já dura 54 anos. Um aprendizado inédito e difícil para mim, mas, um aprendizado muito valioso, como o tempo e os fatos tem me mostrado. Vamos ao poema:
Depois de mortos, seremos perdoados, pelos sonhos desfeitos, ainda na infância, que não chegaram a conhecer o frescor da juventude; Seremos perdoados, depois de mortos, pelas palavras esquecidas no momento mais importante, quando olhares em suspenso, em nossa direção, esperaram em vão por algo que jamais acreditamos. Depois de mortos, chorarão sobre nós, e dirão coisas sobre nós, e seremos perdoados por aqueles que mais amávamos;
Eles irão, e com eles, as nossas lembranças, que depositamos no passado, como flores que se depositam sob a lápide dos esquecidos; Flores sem perfume, sem nome, sem lágrimas;
Depois de mortos, escreverão sobre nós, uma ou duas frases, pra dizer como éramos bons no ofício de enganar as alminhas puras, sem rumo, à procura de um porto seguro, firme, forte, que acaso, nunca fomos, nem pretendemos sê-lo, nunca;
Seremos perdoados pela sede de viver, que em nossos corações jamais encontrou motivo, esperança, portas abertas; Seremos esquecidos em um ou dois dias, duas noites, uma noite; As doze horas escuras do dia que passarão formais, solenes, sem vida, discretas, como o discurso que farão sobre nós, tentando encontrar o que não existe, tentando ver o que nunca houve;
Depois de mortos, esqueceremos as vontades reprimidas, de nada nos servirá a vergonha, nem motivo de aplauso, nem de vaia, quando muito, indiferença, silêncio não provocado, espontâneo, tanto quanto na mesa de bar, ao falar sobre aqueles que partiram antes, sorvíamos o vinho de péssima qualidade e fumávamos o cigarro que cabia em nossos bolsos;
Seremos ultrajados, despidos das lembranças, por todos aqueles que fizemos rir, que num final de tarde, no meio de uma rua qualquer, se depararam com o nosso ridículo; Mas, que isso importará à nossa consciência culpada, depois de mortos? Nada! Nada importará, e a cena se repetirá:
Nem o remédio caído atrás da cômoda, a roupa suja debaixo da cama, nem as anotações em guardanapos, toalhas, papéis encontrados no chão, nada nos trará à consciência;
Depois de mortos, de que adiantará a vela que vai se apagando no quarto escuro, porque o vento que entra forte, sem pedir licença, anuncia a proximidade do inevitável; De que adiantará a procura insana do remédio que não cura? Porque a cura, não está no remédio, mas, na vontade que falta para continuar;
Seremos perdoados por nossas faltas, todas elas, das menores às maiores; Seremos perdoados porque amamos em algum momento, e este foi o nosso erro; Seremos perdoados porque acreditamos na poesia dos livros de Allan; Seremos perdoados porque…
Ousamos conhecer o lado de cá da vida, onde sabíamos de antemão que não encontraríamos felicidade; Depois de mortos, que nos resta, senão nos vestirmos de branco, baixarmos a cabeça, o primeiro passo nos resta, adiante, o que virá depois?
Por Geraldo J. Costa Jr. / Foto: Reprodução