“Até agora está difícil dormir na mesma cama, no mesmo Ryad onde a gente estava quando tudo aconteceu. Vou levar para sempre a sensação de medo e de ‘quase morte’”.
Essas foram as palavras com as quais o geólogo Alexandre Perinotto, docente do curso de Geologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, encerrou a conversa que teve com a redação do Diário, na tarde da última segunda-feira.
Ele está no Marrocos, de onde embarca hoje, quarta-feira, de volta para o Brasil. Perinotto foi ao país norte-africano, em Marraquesh, para participar de uma conferência internacional da Unesco (Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Lá ele trabalhava, junto com outros 40 a 60 cientistas brasileiros, em articulações sobre geoparques, visando o reconhecimento do Geoparque Corumbataí pela entidade internacional. O Geoparque Corumbataí é uma área de 1.720 km2, que abrange 9 cidades na bacia hidrográfica rio Corumbataí. Entre essas cidades está Rio Claro.
O que nem Perinotto nem ninguém imaginava era que as atividades finais do evento científico, que eram justamente atividades de campo, iam ser canceladas por um evento dramático: o terremoto de 6,8 graus de magnitude segundo a Escala Richter (que vai de zero a 10), abalo que literalmente sacudiu a região sudeste do Marrocos na sexta-feira dia 8, impactou em cheio a cidade de Marraquesh e fez ruir, em segundos, boa parte da Medina, a parte histórica da localidade, repleta de turistas, comerciantes e moradores.
Até a publicação dessa matéria, a tragédia já resultava na contabilização de quase 2.900 mortos, milhares de feridos e, até então, incontáveis desaparecidos. “Eu sou geólogo e estudo, inclusive terremotos, há 47 anos. Mas nunca tinha presenciado um. Foi realmente muito assustador”, classifica Perinotto.
Ele contou que estava em seu Ryad, uma espécie de hospedagem tradicional marroquina, já recolhido ao seu dormitório, no momento do abalo, que foi depois das 23h no Marrocos, por volta de 19h no horário de Brasília. “O protocolo manda você sair para a rua, onde é mais seguro. Até porque o terremoto não mata ninguém, o que mata são os desabamentos, deslizamentos de terra”, argumenta. “Ou você deve se proteger debaixo de uma mesa, ou de um batente de porta”, continua o docente. “Eu só consegui pegar documentos, dinheiro, o celular e correr para a rua, onde fiquei, junto com todas as demais pessoas, até por volta de 5h da manhã do sábado”, descreveu.
O professor se comoveu ao relatar o desespero generalizado que viu nas ruas. “Gente ferida, gente gritando desesperada por seus familiares, pessoas desmaiadas, adultos, idosos, crianças, todos cobertos de poeira, um trânsito caótico”, disse ele. “E a gente se sentindo totalmente limitado diante daquela situação horrível”, acrescentou.
Perinotto disse que a embaixada brasileira no Marrocos se disponibilizou a ajudar os brasileiros naquele país. “Mas nós, especificamente, não tivemos necessidade. Não nos ferimos, estamos bem. Só não conseguimos adiantar o voo de volta ao Brasil, até porque o aeroporto ficou também sob caos”, comentou.
O cientista e professor disse que o evento é “o Planeta Terra se manifestando. O Marrocos reúne condições para terremotos porque parte do país está sobre o encontro de duas placas tectônicas, sob a cordilheira do Atlas, justamente próximo ao epicentro desse abalo. Então, onde as estruturas são feitas já se sabendo que um terremoto pode acontecer, os danos são menores. Mas no Marrocos não é assim, não há esse preparo, infelizmente”, concluiu.
Fotos: Acervo Pessoal