Quase todos os dias, a cena se repete, geralmente pela manhã.
A cadela da vizinha (não vá confundir as coisas, caro leitor!) late desesperadamente ao portão. Depois, ouve-se algum barulho nos saquinhos de lixo colocados na calçada, como se alguém os revirasse. Vai diminuindo o latido da cadela enlouquecida, então, saio movido pela curiosidade.
Batata! Lá vão eles, longe, naquele ritmo cadenciado e rotineiro habitual. O homem à frente, montado em sua bicicleta. A roupa velha, puída, remendada, o boné mal ajeitado sobre a cabeça, quase caindo, deixando escapar sobre as orelhas algumas mechas de cabelos brancos e desgrenhados.
O homem parece cansado, vai arqueado sobre o guidão da bicicleta, deixando-se levar pela descida que embala a bicicleta tão velha quanto ele, e tão mal arranjada quanto suas roupas. Não pedala. Não precisa. A força misteriosa da vida a serviço dos fracos o conduz.
Atrás, vem os cães, e são quatro. Todos do mesmo tamanho e parecidos. Fazem a escolta daquele homem misterioso, todos os dias, mantendo as posições e um silêncio, poucas vezes rompido pela impaciência, também conhecida como fome. Fome e sede, de alimento e de amor. A natureza é mesmo implacável com os seres que amam.
De onde vem os quatro cães e aquele homem? É a pergunta que me faço toda vez que me deparo com eles. Não os conheço, senão de vista. Por vezes, fixo o meu olhar naquele homem à espera que ele retribua a minha iniciativa. Inútil.
Para onde vão eles? Percorrem a cidade nessa calmaria resignada que chega a ser irritante. Quatro cães. Foi o que restou àquele homem após a primeira tempestade, a maior e mais devastadora de todas. Ah, sim! A bicicleta. Sabe-se lá por qual motivo também ficou pra se juntar à história. Apego-me a essas hipóteses para alimentar a minha curiosidade.
Vai subindo e descendo o homem e seus quatro cães, sempre, percorrendo ruas e avenidas, parando em todas elas para buscar nos saquinhos de lixo o seu sustento e o de seus fiéis amigos seguidores. Vez em quando, eu o vejo parado no portão da vizinha à espera do auxílio que ela, diferentemente de mim, jamais lhe nega. A vizinha tem boas posses, eu luto com a vida. Não lhe fará falta. A mim, sim. E nisso, encontro justificativa para minha indiferença para com o sofrimento alheio.
É um bom homem, percebe-se. As tempestades da vida, porém, o dobraram. Não se vê nele um fio de esperança, nada. Apenas resignação. Atravessa os dias percorrendo a cidade acompanhado de seus cães fiéis e tão resignados quanto ele. Sequer latem. Vez em quando, muito raramente, ao longe.
Há uma cumplicidade que se parece eterna entre o homem e seus cães. Como se não tivessem o que dizer, como se buscassem o fim, no mesmo lugar e do mesmo modo, e jamais o encontrassem. Quatro cães e um homem. Caminham e sofrem juntos. Resistem. Até quando?
Por Geraldo J. Costa Jr.