A Agência Nacional do Cinema (Ancine) publicou no último dia 22 de outubro o Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro, apresentando dados de 2017 e dados em panorama de 2009 a 2017.
No ano de 2017, o país bateu o recorde de títulos brasileiros lançados nas salas de cinema – foram 160 longas-metragens (sendo 91 longas de ficção, 62 documentários e sete animações). Esses títulos venderam mais de 17 milhões de ingressos, o que representou uma participação de público de 9,6%. Apesar dos números animadores, a produção tem seu foco nos grandes centros urbanos, como o eixo Rio-São Paulo.
Entretanto, Rio Claro aparece com um diferencial: é uma das poucas cidades do interior a produzir material audiovisual de alto nível. Isso se deve à atuação do grupo Kino-Olho, que existe na Cidade Azul desde 2005, buscando formas alternativas de aproximar a cinematografia da população através de cursos práticos e teóricos e da produção de filmes.
O grupo Kino-Olho utiliza as ruas da cidade como cenário para gravar seus filmes. Além de câmeras profissionais, eles incentivam o uso de smartphones para a gravação e fazem de jovens amadores, cineastas de sua própria história. O fundador do grupo, João Paulo Miranda, queria instigar as pessoas a pensarem em um cinema diferente e, através de reuniões no Centro Cultural da cidade, o cineasta e sua equipe começaram a ensinar técnicas de gravação, atuação e a fomentar a criatividade. “Fundei o grupo Kino-Olho em 2005, ensinando anualmente diversas turmas. Hoje, são eles que tomam conta do grupo, sendo os professores e monitores. Alguns dos que foram iniciados no grupo já cursam faculdades na área, já trabalham e até lecionam. Temos pelo Brasil afora vários deles e me orgulha muito de ter plantado esta semente”, afirma Miranda.
Os encontros do grupo acontecem todas as quintas-feiras no Centro Cultural. Segundo o presidente do grupo, Rogério Borges, os temas escolhidos na produção dos filmes são apresentados no final de cada ano, junto com a concepção artística da obra. São discutidos os aspectos artísticos e também a relevância social das obras, que geralmente trazem debates pertinentes. “Isso quanto aos filmes institucionais, mas todos os integrantes produzem também diversos filmes em paralelo de maneira autoral. A qualificação que promovemos com nossa formação permanente é o que faz com que nosso estilo consiga ir além do esperado, buscando um olhar autêntico a partir da nossa realidade e lugar de fala”, relata ele.
João Paulo Miranda acrescenta que criou um método onde, nos encontros, alunos realizam séries de “filmes-ensaios” e que depois, já com certa maturidade, escrevem roteiros mais elaborados, formando suas equipes e produzindo seus próprios filmes. “Hoje, este formato continua com as adaptações dos atuais professores, mantendo os encontros às quintas-feiras, às 19 horas, no Centro Cultural”, conta Miranda.
Difusão da arte
Além de oferecer o ensino da cinematografia para jovens, o grupo tenta atingir as classes mais baixas da sociedade que, normalmente, não teriam acesso a esse tipo de atividade. De acordo com o presidente do grupo, Borges, a arte tem a capacidade de empoderar a juventude para se expressar de diversas formas. “Quando falamos das classes mais baixas, a importância é maior ainda, pois são poucas as oportunidades que chegam até esses locais, onde existem muitos talentos desperdiçados pela falta de incentivo”, afirma ele. Ele acrescenta que hoje a oferta de arte na cidade está além do público que a consome. “Acredito que isso possa ser revertido com projetos de formação e difusão artística, os quais a Secretaria de Cultura tem dado bastante atenção”.
Para o criador do projeto, Miranda, a Cultura é de extrema importância para qualquer povo. Não há como uma sociedade evoluir, viver bem, respeitar o outro sem a Cultura. “Depois de viajar o mundo para diferentes países e continentes, mostrando filmes produzidos aqui, eu espero que um dia o rio-clarense acesse mais a sua Cultura. Vejo Rio Claro como um celeiro de vários artistas, mas que, infelizmente, eles têm maior destaque fora do que dentro. A população poderia aproveitar muito mais da sua Cultura”, ressalta.
Para ele, levar Cinema e Arte para as periferias e camadas menos favorecidas traz benefícios muito além da própria realização de filmes. “A partir destas oportunidades, tanto com exibições ou oficinas de formação, há uma evolução de reflexão sobre a própria vida. Todos nós passamos o tempo tentando esquecer dos problemas e dificuldades, já através da arte, temos uma reflexão profunda; trazendo uma mudança de visão de mundo. É uma valorização do que temos em nossa volta, nossas histórias e a riqueza da diversidade de uma população”, relata o fundador.
De Rio Claro para o mundo
Nestes dez anos de atuação, a equipe do grupo Kino-Olho já produziu curtas-metragens reconhecidos em mostras e festivais, como o 68º Festival de Cannes e 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. João Paulo Miranda relata que a sensação de participar do maior Festival do Mundo, o de Cannes, na França, por duas vezes consecutivas e sair premiado, é difícil de medir em poucas palavras. Para ele, isto serve como inspiração para lembrar que ainda é preciso ousar mais.
“Já participei também de outros grandes Festivais, como o mais antigo de todos, o de Veneza, na Itália. Já exibi meus filmes nos EUA, em Hollywood, na China (onde ganhei um prêmio artístico há duas semanas atrás), na Inglaterra, Espanha (premiado esta semana também), na Alemanha, Bélgica (premiado), na Rússia, em Cuba e vários lugares na América Latina. Hoje, é até difícil saber exatamente quantos festivais já participei, tendo contato direto com públicos muito diversos. Realmente, há muito interesse por Arte e Cultura no mundo. Isto me motiva demais, pois sei o quanto a Arte pode mudar e melhorar o mundo que vivemos. Basicamente, quero provar que sonhos são reais e as pessoas precisam disto para serem melhores”, narra o fundador.
O futuro
Em relação aos objetivos futuros, tanto João Paulo Miranda, quanto Rogério Borges e os demais integrantes da equipe, têm propósitos individuais, além dos coletivos. “Cada integrante tem seus ideais. No meu caso particular, estou assumindo projetos muito ambiciosos que vão bem além da fronteira do nosso município, fazendo parcerias em outros estados e países. Eu, João Paulo, preciso enfrentar desafios cada vez maiores e poder proporcionar os benefícios da Arte para uma quantidade muito maior de pessoas”, explica o fundador que ainda acrescenta que está prestes a fazer seu primeiro longa-metragem no próximo ano, dando início a uma grande mudança profissional e estando em pé de igualdade com os grandes nomes do Cinema. “Além deste, também estou escrevendo novos projetos como longas, séries e até um projeto inovador em Realidade Virtual”.
O atual presidente da equipe também se mostra realizado com suas conquistas individuais. “Falando por mim, que estou há seis anos no coletivo, posso garantir que já cheguei muito mais longe do que eu sonhava quando ingressei, tendo a oportunidade de apresentar filmes em festivais nacionais e internacionais”, relata Borges.
Em relação ao destino do grupo Kino-Olho, eles pretendem continuar a difundir o Cinema e oferecer esta ferramenta para os rio-clarenses pensarem no mundo ao seu redor. “Neste ano ainda vamos rodar mais um filme, produzir uma edição de cinema open air (a céu aberto) com o projeto Cineclube da Luta, realizar um workshop de direção de atores e o evento de encerramento do projeto ‘Para todos Cinema’. Borges afirma que hoje os sonhos são maiores, com o objetivo de ter sua própria sede. “Estamos trabalhando para que isso se concretize. Penso que não temos um destino final, a cada passo que damos, um novo objetivo é alcançado, tanto na esfera coletiva quanto individual”, conclui Rogério Borges.