Mesmo nos dias atuais, por vezes, as mulheres são apontadas preconceituosamente como más condutoras, não pela análise de suas habilidades na direção, mas em razão de seu gênero.
A máxima popular “mulher ao volante, perigo constante” é uma prova dessa afirmação, nada científica, mas baseada em um senso comum oriundo dos ideais de uma sociedade machista. De acordo com dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (Infosiga – SP), que recebe e apura dados baseados em boletins e registros policiais, as mulheres se envolvem menos em acidentes graves de trânsito.
Em 2017, apenas 6,4% dos condutores envolvidos nesse tipo de acidente foram do sexo feminino, contra 93,1% do sexo masculino. Segundo o mesmo sistema, em 94% dos acidentes fatais, a principal causa é a falha humana. Ou seja, o comportamento do motorista é fator crucial no trânsito, independentemente do gênero.
Em 2017, no município de Rio Claro, dos 25 acidentes de trânsito com mortes, 92% das vítimas (23 mortes) são homens, enquanto 8% (duas mortes) foram vítimas do sexo feminino. Dos 17 acidentes fatais ocorridos de janeiro a agosto de 2018, 70,6% (12 mortes) dos óbitos foram de pessoas do sexo masculino, para 29,4% (cinco mortes) do sexo feminino.
Além disso, segundo um levantamento do Núcleo Especial Criminal de Rio Claro (Necrim), para onde vão os acidentes de trânsito sem óbitos, em relação aos 212 acidentes de trânsito que impulsionaram processo no JECrim, apurados de janeiro a setembro deste ano, em 55 acidentes mulheres foram autoras, enquanto que o restante, 157, foram homens os responsáveis.
De acordo com o secretário de trânsito de Rio Claro, Marco Antonio Melli Bellagamba, qualquer tipo de não conformidade no trânsito e a forma de agir, depende da educação de cada um. Segundo ele, a questão dos acidentes de trânsito não está ligada ao sexo, mas sim às ações imprudentes e negligentes do condutor(a). “Hoje, presenciamos tanto homens como mulheres agindo de maneira inadequada no trânsito. Contudo, as mulheres se apresentam com procedimentos mais prudentes e seguros no momento que conduzem seus veículos e, isso, faz a diferença”, afirma ele.
Estudo controlado
Diante dessas informações, há quem contra-argumente com o fato de existir muito mais condutores do sexo masculino do que feminino. Porém, em todo o mundo já foram realizadas pesquisas com o mesmo número de condutores homens e mulheres, inclusive, estudos psicológicos, e o resultado foi o mesmo. Um estudo britânico monitorou um grupo de 250 motoristas, metade homens e metade mulheres, dentro de um carro, em Londres e, de acordo com a avaliação da pesquisa, ao final, as mulheres fizeram 23,6 pontos de um total de 30. Os homens marcaram apenas 19,8.
Situações enfrentadas
A reportagem do Diário do Rio Claro levou essa pauta para mulheres habilitadas. A estudante de direito na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Rafaella Folegoto Claudio, acredita que as mulheres dirigem melhor que os homens, pois são mais atentas. Ela conta também situações chatas que já enfrentou enquanto dirigia. “Uma vez, quando estava indo para faculdade, entrei na rodovia e não vi que tinha um carro logo atrás na mesma faixa (pegou no ponto cego).
Quando o homem que estava atrás viu que eu era mulher e estava sozinha, por eu sem querer cortar a frente dele, começou a acelerar o carro atrás de mim, buzinar e dar farol alto, fiquei com muito medo dele querer bater no meu carro ou me perseguir, então, tive que acelerar muito para não acontecer algo… infelizmente, eles nos veem como “o sexo frágil no trânsito” e nos fazem passar por situações de medo e desespero”, relata ela.
Outra graduanda em direito, Amanda da Silva Dias, de 22 anos, alega que todas as mulheres que conhece são excelentes condutoras. “Nunca sofri machismo no trânsito diretamente, mas indiretamente, sim. Me refiro, principalmente, ao fazer a baliza. É quase natural que, quando tem dois ou mais homens próximos, eles ficam olhando para ver se eu vou conseguir entrar na vaga. Houve até uma vez, na casa de uma amiga, que o irmão dela me perguntou se eu conseguia colocar o meu carro na garagem, como se fosse um desafio”, conta a estudante.
Maria Luiza Oliveira, de 20 anos, estudante de letras, afirma que não tem como julgar as habilidades de alguém apenas pelo gênero e diz que toda essa subestimação à mulher condutora é cultural. “Essa é uma ideia enraizada na sociedade como um todo. No dia do meu teste de CFC, observei que toda vez que uma mulher era reprovada no exame, as pessoas ali presentes, especialmente os homens, faziam barulhos constrangedores e riam, mas quando um homem reprovava, eles ficavam quietos ou davam dicas de como proceder na próxima vez. Não dá para não notar essa diferença”, afirma ela.
Ana Paula Veronezi, de 22 anos, estudante de jornalismo, também não concorda com a prática de julgar as habilidades de alguém em razão de seu gênero. “Acredito que não se classifica quem dirige bem ou mal por causa do gênero. Existem tanto mulheres quanto homens que não dirigem bem, não tem nada a ver com a questão de ser mulher”, defende ela.
Exemplo a ser seguido
Segundo Silvia Lisboa, coordenadora do Movimento Paulista de Segurança no Transito, fatores como agressividade e prática de infrações estão diretamente relacionados ao aumento de risco de acidentes de trânsito. “A agressividade tende a ser maior entre os homens e isso reflete em seu comportamento no trânsito”, analisa. “Basta ver a diferença de reação diante de uma ‘fechada’ ou acidentes. O homem sente-se agredido e tende a revidar. Já́ a mulher pode até́ reclamar, mas traz para si a responsabilidade e assume o dano”.
Outra característica feminina é a menor propensão a assumir riscos. “Mulheres são mais cautelosas, o que não quer dizer que sejam menos audazes. Mas elas tendem a considerar sempre as situações de risco e antever possíveis problemas no trajeto”, avalia a coordenadora do Movimento Paulista.
Para a psicóloga comportamental Claudia Maria Dias Zaminato, a explicação das mulheres serem minoria no envolvimento em acidentes, está no comportamento mais prudente e na tendência de menor agressividade e competição nas ruas e estradas. “Além disso, observo nos atendimentos terapêuticos que as mulheres são menos relutantes em procurar ajuda terapêutica do que os homens. Sendo que 85% dos clientes são mulheres buscando equilíbrio emocional e, assim consciente, lidam com problemas do dia a dia, inclusive, no trânsito”.