Há cem anos, Sérgio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, nascia no Rio de Janeiro, no bairro de Copacabana. Era comecinho de 1923. E Copacabana e Sérgio Porto cresceriam juntos. A inauguração do Copacabana Palace, em 1923, marca o florescimento cultural do centro boêmio carioca. Epicentro dotado da eterna “princesinha do mar”.
Sérgio Porto era parceirão do poeta, do múltiplo artista Antônio Maria. Que dupla hein, chefia? A importância do centenário Sérgio Porto é tamanha, que a crônica brasileira, a retratar o corriqueiro cotidiano, em flashes de figuras de distintas classes sociais experimentou revolução tamanha irreverência. Era muito lido. O povo identificava-se graças ao humor maroto, a sátira como invencível arma, porquê o cronista catalisou a época, crítico às “patifarias”. Era o real mediador entre a cultura do povo e das elites. E na companhia de sua fiel máquina de escrever, a “intimorata Remington”, formou-se na melhor escola de jornalismo da época, a redação do Diário Carioca. Logo, a chefia ganhava carta branca. Porto estava pronto poderia escrever sobre qualquer assunto. E tem mais: autorizado a criar o pseudônimo.
Assim nasce, em setembro de 1953, Stanislaw Ponte Preta. Stanislaw Ponte Preta era diferentaço de Sérgio Porto (mais lírico, intimista). O nome “Serafim Ponte Grande”, vem de “Serafim Ponte Preta”, livro do genial vanguardista, o iconoclasta da arte moderna, inventor do vídeo clipe acústico textual, o grande Oswald de Andrade. É possível encontrar muitas semelhanças inclusive entre as duas feras, tal o punch, o mesmo espírito endiabrado, a inventiva linguagem a fina ironia, divertidíssimas enunciações em comunhão ao apelo imagético a grudar na retina interior do leitor.
O ESTILO
Criado a princípio como blague para sátira pontual aos afetados & superestimados cronistas sociais da época, conquistou o grande público dos jornais graças à irreverência. Situações cotidianas pulsavam risos nas pinceladas verbais sob o coloquialismo e carismático estilo desconcertante para vasta gama de leitores — Stanislaw segurava o refrão: ora provocativo enunciando irônicas bravatas, desmascarando lorotas do Brasa — e ora sarrista máximo dos costumes nas entrelinhas ao molho velado escárnio. Estilo empolgante é apelido. O sucessor do Barão de Itararé era o cronista da galera, que fisgando reações, vira e mexe do leitor exige a presença, na silente conversa, na brejeira resenha, e também letal lavrando lero transcendente pra purgar o povo das injustiças e hábitos usurpadores da liberdade. Assim, esse fã do Barão de Itararé, fã do nova-iorquino Grouxo Marx, bem humorado “até uma zóra” celebrou a vida e deixou sua tinta rugir imortal, embalado muitas vezes ao sabor do espírito folia finesse deles, “a patota de Ipanema”. Workaholic, incansável, os amigos íntimos ressaltavam que vivia “em eterno estado de graça”.
OS TIPOS, O FEBEAPÁ
Foram 21 anos de muita Stanislaw folia no Brasa. O chefia esculpiu seus tipos da família Ponte Preta cheio de malandragem. A carismática Tia Zulmira. O distraído Rosamundo. O mau caráter Primo Altamirando. Inventou o FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País) pra pegar a corrupção capturada ao riso. O livro ganharia sequência. E, caro leitor, tenho carinho extra por FEBEAPÁ. É o título preferido do meu velho e bom pai. E ah: Sérgio também criou “As Certinhas do Lalau”. Para “tirar uma onda” das vedetes eleitas pelo colunista Jacinto de Thormes.
O EPISÓDIO DE 1956
Com a rapidez perceptiva que lhe era garantida, Sérgio Porto, em uma noite de 1956 fez a diferença na música brasileira, saindo de um boteco, quando encontrou o sambista Cartola. À época numa fossa danada. Serjão tratou então de travar prosa com o sambista. A missão: colocar a carreira do cantor e compositor de “As Rosas não falam”, “O Mundo é um moinho” de volta aos eixos. Do ponto financeiro ao ponto da merecida visibilidade, no patamar poética em que ela merecia. E deu certo, golaço sambarilove.
A DESCOBERTA
Cedo mergulhei na poética malandróviski do texto stanislavél. Lembro-me com ternura daquela manhã da descoberta. Ginásio e na carteira o xerox, crônica para reluzir EUFORIA. Foi na alma durante minha preferida aula, a aula de português, da genial professora e inspiradora pra me tornar escritor. Falo da incrível Dona Sônia (in memorian).
Logo, da coleção Vagalume migrei, eu que já gostava da série “Para gostar de ler”, coletânea recheada de crônicas, que minhas irmãs mais velhas possuíam em edições bem maneiras. Entanto, queria ler Stanislaw. Logo tratei de tornar-me “rato de sebo”. Garimpava edições dos livros do amigo centenário no Sebo Outras Histórias. O sebo do meu amigo Johnny, está em Rio Claro desde 92 na ativa, proporcionando o desligamento do tempo cronológico. O espaço alucinante, viajante era a casa dos outsiders, geeks e sensibilidade aguçada elegante — pra trocar alteridades com pessoas gente fina, que não dispensavam o uso do intelecto do sensitivo radar, no espaço perfeito sob o manto relax dialógico promovendo “outras histórias”. Além é claro dos alto falantes posicionados no teto, imersiva experiência pra você celebrar aquela sonzera, enquanto os garimpos dos tesouros no sebo sassaricando folia aos sentidos estralava oníricas possibilidades em preços agradáveis. E prossegue viva, na saudosa Rua 6.
O LEGADO
Diferente da crônica de tradição francesa, inglesa, a crônica brasileira é Garrincha humanidade exultando linhas desconcertantes. Identidade de sobra, não tem pra ninguém.
Prima da poesia, tem na tríade os primórdios: Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio. Flanando despretensiosamente, ganhou popularidade para traduzir o espírito do tempo. Despertando o crítico. De forma leve. Profunda. Despontaria reações inimagináveis em seus temas vários, dos closes corriqueiros dos humildes aos corruptos engravatados nos colocando nariz de palhaço. Obrigado, Stanislaw Ponte Preta. Tornei-me voraz leitor do gênero desde então.
Assim leitor e releitor de Rubem Braga, Otto Lara Resende, Ivan Lessa, Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, Clarice, Millôr, Marcelo Rubens Paiva, Xico Sá. Que o diga minha biblioteca, recheada de vários volumes Stanislaw Ponte Preta. Ilustrados pelo inigualável Jaguar, mergulho no parágrafo. Mantenho hiperfoco fortalecido por suas tiradas: “difícil é dizer o que incomoda mais, a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante”. Rir com Ponte Preta é sessão da tarde na receita adicionando subjetivismo lírico despretensioso diante do cinismo das kafkanianas engrenagens do poder. Ele nos confere poder pós Molière pós Machado pra curtir a vida adoidado.
Trabalhar quinze horas por dia não é fácil, né chefia? No rádio, na tevê, no jornal, nos livros. O escritor realista, provocando cócegas ao riso e percepção caducando epifanias, aos 45 anos, justo em 1968, ano tão decisivo, nos deixaria. Vítima de infarto. Um ano depois, o PASQUIM nasce.
Stanislaw agora é século. Transcendeu o circunstancial na malograda rotina do sofrido ao almofadinha brasileiro. E, permitam-me Ferris Buller e Gabo, celebro o ritmo do meu coração neste título nesta crônica cujo recheio transborda apreço às camadas sambarilove ao vício redentor do viço do cronista por excelência. Portanto aqui o recado, com a licença do Gabo: valeu Serjão, revolução boa praça através do riso da ironia consciente, feliz “CEM ANOS DE CURTIÇÃO”, chefia. Tomo mais café então, dentro da vitrola vascular ao senso de observação teus verbos acenam baita climão astral prontidão chapa quente comunhão!
Mário Mariones é escritor/músico/jornalista.
Instagram: @mariomariones
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