No fundo mesmo, quase ninguém acha que deve mudar.
Por isso, o maio de 1968 na França e a Primavera de Praga, com os tanques russos esmagando as flores, não vingaram.
Um mero escape para pressões da época. As barricadas montadas pelos operários em conjunto com os estudantes em Paris pode até ter mostrado como pode ser o poder do povo de transformar alguma coisa. Mas o tempo passou, e aqueles que queriam mudar o mundo acabaram transformados por ele.
A promessa vendida pela geração de 1968 era a de liberdade, num mundo mais “igual”, sem autoritarismo. Muitos compraram a ideia, e a transformaram em produto, muito útil hoje como slogan de comercial de uma loja de departamentos ou supermercado. Uma geração que sonhou com um mundo melhor, mas acabou vencida pela pressão dos mercados, e se tornou tradicionalmente conservadora.
É penoso citar que após os surtos das passeatas, greves e guerrilhas, houve uma reação oposta e de maior intensidade, um peso maior da direita, e pipocaram slogans pregando a restauração da ordem que elegeria Nixon nos Estados Unidos e Charles de Gaulle na França.
Daquele ideal romântico de luta contra tudo que oprimia, os agora senhores e senhoras são desiludidos “burgueses” que não abrem mão de seu conforto e certezas familiares por nada neste mundo. Se muitos acabaram mortos naquela época, outros estão mortos tecnicamente pela desilusão. Ao que parece, não há mais espaço para romantismos contestadores.
Aquela geração de “lutas” virou em nada e hoje é boa parte da classe média pacata que vê passar à sua frente escândalos e mais escândalos, um encobrindo o outro e acha que o problema do país é culpa do governo.
Como Cazuza bem dizia, “pois aquele garoto que ia mudar o mundo/Agora assiste a tudo em cima do muro.”
O discurso de esquerda não tem o efeito de uma aspirina. De 1968 até 2018, foram cinco décadas que se iniciaram de forma romântica, com um meio trágico e um final previsto. Está tudo tão urgente, que ninguém mais parece parar para ouvi-lo.
Tudo bem, vá lá, que o aparente ideal do maio de 1968 na França e a primavera de Praga no mesmo ano acabaram jogando um a luz na escuridão da ditadura brasileira e muita gente boa se inspirou e tirou forças para lutar contra os milicos, que acabaram por se safar pela torta lei da Anistia.
Pena que tudo não passou de uma utopia e, hoje, muitos dos que antes lutavam com unhas e dentes, ocuparam o poder e pouca coisa fazem. Minha geração, nasci em 1974, herdou um tempo de ilusões perdidas.
Impossível, sendo jovem naquela época, não se deixar seduzir por frases de efeito como “Seja realista, exija o impossível”, “A imaginação no poder”, “É proibido proibir”.
Alguns dizem que 1968 foi o ano que nunca acabou. Puro marketing. 1968 foi o ano que nunca existiu e inventaram. Foi um ano em que se percebeu do que somos capazes, mas muitas vezes falta a coragem para abandonar as nossas certezas cotidianas.
Talvez, a desilusão tenha mesmo começado no Brasil já há cinquenta anos. Enquanto o mundo vivia o ‘desbunde’ alegre e florido como o dos hippies americanos, nós mergulhávamos em um dos períodos mais tenebrosos com a decretação do AI –5. Grandes cabeças da geração se perderam sob o horror da tortura, outras se transformaram por instinto de sobrevivência. Mas, e daí, se até Galileu negou o que descobriu para se safar da fogueira da Inquisição?
Enfim, tudo vira mercadoria, até mesmo as mais ingênuas utopias de liberdade.
Por Marcelo Lapola