A história local não tem uma linha sobre o assunto / Oficiais e soldados do Mercado Municipal de Rio Claro depuseram prefeito e vereadores. Depois de tomarem o poder local e de cidades da região seguiram para São Paulo. O objetivo era derrubar o presidente da República. / O militar comandante de Rio Claro assumiu o governo na Capital até a derrota dos revoltosos. / Em fuga para o Paraná ele foi aclamado para comandar a Coluna Prestes. Não aceitou e seguiu para exílio no Paraguai. Foi substituído por Miguel Costa. / Foi preso ao voltar para o Brasil./ Seu nome foi removido da Praça do Mercado Municipal de Rio Claro.
Grande história
Esta é uma longa história que precisaria ser contada em capítulos, desde a criação do Quartel de Metralhadoras no Mercado Municipal de Rio Claro em 1918 até suas instalações serem saqueadas pela população depois da fuga de seus soldados por haverem participado do levante militar. Na cidade os revolucionários derrubaram o prefeito Irineu Penteado, a Câmara Municipal e junto com os revoltosos de São Paulo dominaram a Capital por vinte e três dias.
Oficiais e soldados do Mercado Municipal que decidiram não fugir acabaram presos. O número de presos por envolvimento no levante da época chegou a dez mil em todo o País. O movimento que começou e se concentrou em São Paulo atingiu vários estados e logo foi sufocado pelas forças do governo. O episódio entrou para a história com o nome de A Revolução Esquecida.
Retrospectiva
O movimento revolucionário foi deflagrado na cidade de São Paulo na manhã de 5 de julho de 1924 por militares que queriam derrubar o presidente Artur Bernardes. Ele era hostil a militares. Sua eleição era considerada uma fraude.
A guarnição do Quartel de Rio Claro estava pronta para lutar desde meses antes. O comandante local era o tenente Bernardo de Araújo Padilha. Ele havia confirmado a adesão ao tenente Joaquim Távora, um dos líderes nacionais do movimento, em reunião conspiratória realizada na cidade já em fevereiro. Joaquim foi morto logo no início dos combates.
Havia dois anos os militares queriam derrubar o governo federal. Tentativa anterior feita no Rio de Janeiro havia sido sufocada, em 1922. Agora, o estado de São Paulo havia sido escolhido para o novo levante porque o governo Bernardes tinha total controle das forças militares do Rio de Janeiro.
O general Isidoro Dias Lopes veio do Rio de Janeiro para comandar o levante dos paulistas. A maior parte das guarnições da Capital paulista havia se comprometido em aderir à luta. Segmentos da Polícia Militar (Força Púbica) comandadas pelo major Miguel Costa aderiram.
Os rebeldes tomaram a Capital enquanto mantinham combates isolados pelo interior. A estratégia esperava adesão de militares de outros estados para confluir forças até o Rio de Janeiro, capital federal. E lá depor o presidente.
Se na vez anterior, em 1922, a luta se limitava a conflitos internos dos militares com o governo federal, desta vez o levante tinha pauta política: modernizar a República e acabar com a corrupção. O pedido de civis para receberem armas e participar da luta foi negado.
No final, os rebeldes paulistas ficaram sozinhos. Só receberiam apoio de revolucionários do Rio Grande do Sul quando já estavam derrotados e haviam deixado São Paulo em direção ao Paraná. Também derrotados, os rebeldes gaúchos seguiram para se juntar aos paulistas em Foz do Iguaçu (PN).
A junção das forças paulistas e gaúchas deu origem a um dos maiores fenômenos da história militar do mundo, a lendária Coluna Prestes ou Coluna Invicta. A estratégia era a luta de movimento, seguindo de cidade em cidade propagando sua campanha contra o presidente da República.
Em Rio Claro
As forças do Exército Nacional em Rio Claro estavam baseadas no 5º Batalhão de Caçadores que comandava a 2ª Companhia de Metralhadoras, com instalações no prédio que anteriormente fora o Mercado Municipal.
O 5º BC era formado por atiradores de elite. Seu comandante era o tenente-coronel Bernardo de Araújo Padilha, figura mais que respeitada entre os militares do País. Veterano, servira no Ceará e Sergipe. Ele era pessoa de confiança do general Isidoro Dias Lopes, comandante supremo da Revolução Paulista.
Padilha
Apesar de pouco destacado por historiadores, Padilha era admirado por revolucionários como Miguel Costa, Juarez Távora, João Cabanas, João Francisco,
Eduardo Gomes, Luis Carlos Prestes e Siqueira Campos, este natural Rio Claro. Comandou vários deles. Juarez Távora dedica a ele um dos capítulos de seu livro de memórias. Miguel Costa o elogia em documentos de luta.
Durante a revolução, Padilha foi promovido a general. Ao fim, exilou-se no Paraguai e de volta ao Brasil acabou preso. Foi condenado a sete meses de prisão. Tinha 57 anos de idade. Depois disso some da história. O Largo do Mercado, em Rio Claro, tinha seu nome, que acabou sendo eliminado, décadas depois.
Em frente
Iniciado o levante em São Paulo do dia 5 de julho, os militares de Rio Claro se prepararam para seguir de trem à Capital.
De início, a população local pensou que as forças militares da cidade seguiam para combater ao lado do governo. Logo, no entanto, ficou claro que as tropas eram aliadas dos revolucionários. Itu, Jundiaí, Caçapava e Campinas aderiam ao levante naquele momento. De Rio Claro, os rebeldes articularam a tomada de São Carlos, Araraquara, Jabuticabal e Limeira.
Poder local
No dia 10 de julho, antes de seguir para São Paulo, o comando do 5º Batalhão de Caçadores de Rio Claro destituiu o prefeito Irineu Penteado e constituiu um governo provisório formado por Brasílio Gonçalves da Rocha, João Fina Sobrinho e Octávio Guimarães. Eduardo de Almeida Prado assumiu como prefeito. A Câmara Municipal foi destituída.
Parte da tropa ficou guardando a cidade. O restante seguiu de trem para a luta na Capital paulista. Soldados da Polícia Militar (Força Pública) local acompanharam a guarnição. O jornal “O Alpha”, de Rio Claro, calcula que cerca de cinco mil pessoas acompanharam na estação ferroviária local a partida dos oficiais e soldados revolucionários.
A sequência
Em São Paulo, o governador Carlos Campos fugiu. O governo foi assumido pelo comandante militar de Rio Claro Bernardo Padilha. Ele organizava civis para cuidar dos serviços públicos junto com a Associação Comercial.
O presidente Artur Bernardes determinou que a cidade de São Paulo fosse bombardeada por aviões e artilharia. Sem clemência. Foi a primeira vez que aviões foram utilizados como instrumento de guerra no Brasil.
Até aquele momento o confronto e os bombardeios já haviam causado 503 mortes, dois terços de civis. Os feridos somavam 4.864. Quase dois mil prédios foram destruídos. Milhares de paulistanos abandonaram a cidade. Rio Claro recebeu 230 refugiados atendidos pelo programa Cruz de Caridade, organizado pelo monsenhor Botti, pela Igreja Presbiteriana, clube de serviço e voluntários.
Retirada
O presidente Artur Bernardes manda então intensificar o bombardeio, apesar de apelos civis emitidos pela Associação Comercial. Para evitar um massacre, os revolucionários decidem deixar a Capital e empreender uma luta de movimento, passando de cidade a cidade, logo deixando os locais tomavam para explicar a causa revolucionária.
Da Capital paulista e das cidades que haviam tomado, comboios de revoltos seguiram pelas linhas ferroviárias para encontro em Bauru. Os comboios que deixaram a Capital fizeram paradas em Rio Claro. Numa delas, o advogado João Fina aderiu ao movimento revolucionário. Em Itirapina foi feita baldeação.
A retirada era comandada por Araújo Padilha, o chefe militar de Rio Claro, e por Miguel Costa, da Força Pública da Capital, sob o comando de Isidoro Dias Lopes.
Destino
Em Bauru as forças revolucionárias se reorganizaram em três brigadas e outros destacamentos. Padilha foi nomeado general e assumiu o comando da Primeira Brigada. Em meio a vitórias e derrotas ao longo do trajeto, os rebeldes seguiram até o Paraná.
Depois de quase um ano de combates em movimento, de cidade a cidade, revoltosos vindos do Rio Grande do Sul sob o comando do capitão Luis Carlos Prestes uniram-se aos paulistas em Foz do Iguaçu. Era abril de 1925.
Na junção das forças, os comandantes avaliaram o futuro da revolução. As tropas foram liberadas para escolher entre rendição e exílio pelos países vizinhos. Dos iniciais quase cinco mil combatentes, menos de dois mil optaram por se manter em luta. O gaúcho Luis Carlos Prestes propôs então seguir pelo interior do país com a guerra de movimento. As tropas restantes concordaram.
A Coluna
Na definição de rumos, o comando supremo permaneceu sob o controle de Isidoro Dias Lopes para ser exercido em exílio na Argentina tendo em vista negociações políticas com o governo brasileiro.
Outra decisão tomada pelo grupo foi que Araújo Padilha, de Rio Claro, assumiria o comando geral da Coluna que empreenderia a guerra de movimento pelo interior do país. Padilha recusou. Justificou a recusa por já ser idoso para a missão e ter problemas de saúde. Miguel Costa assumiu o comando geral com Luis Carlos Prestes à frente dos gaúchos e Juarez Távora dos comandados paulistas, entre os quais estava o rio-clarense tenente Siqueira Campos.
Após declinar o comando da Coluna, Bernardo de Araújo Padilha exilou-se no Paraguai. Ao voltar para o Brasil, foi preso. Cumpriu sete meses. Não há mais registros sobre ele depois disso.
Fim
A guerra de movimento da Coluna ganhou o noticiário internacional como a maior marcha militar do mundo. Percorreu vinte e quatro mil quilômetros. Inicialmente conhecida como Coluna Miguel Costa-Prestes, entrou para a história como Coluna Invicta ou Coluna Prestes.
Do exílio os militares traçaram nova revolução, que em 1930 foi vitoriosa.
9 de Julho
Articulados a forças políticas civis, os revolucionários chegaram ao poder unidos a Getúlio Vargas pelo golpe de 1930. Um dos seus objetivos foi atingido com o esvaziamento do poder dos fazendeiros paulistas do café. Os conflitos entre Vargas e os fazendeiros paulistas do café seriam retomados em 9 de julho com a Revolução de 1932.
Por J.R.Sant´Ana Rio Claro – SP – 2019/2022 / Foto: Divulgação