Colaboração José Roberto Sant’Ana
Os brasileiros deveriam estar comemorando os duzentos anos de sua Independência desde o dia 9 de janeiro, data em que D. Pedro I decidiu que não deixaria o país para voltar a Portugal.
De fato, a Independência aconteceu ali. Inúmeras etapas, que também deveriam ser comemoradas, aconteceram na sequência até o desfecho final em 7 de setembro de 1822.
O desprezo cívico pela história do País deixa os significados de todo o processo no esquecimento. O 7 de setembro se vê miseravelmente politizado por interesses da pior espécie. Os partidos políticos confirmam estarem preocupados apenas com a tomada do poder, com desprezo pelos valores da nação. Dividem-se no que deveria ser indivisível, o respeito à pátria. Alguns se negam à comemoração da data por disputas infames.
FICO
Foi no dia 9 de janeiro que D. Pedro I recusou-se a abandonar o País, como queriam golpistas do governo de Portugal, e aqui decidiu ficar para defender o Brasil da ganância lusa, pronta para guerra caso ele resolvesse permanecer no Brasil.
Ali a Independência tornou-se irreversível e completou-se em setembro. Cabe destacar que o sucesso da iniciativa pode ser atribuído especialmente à maçonaria, que no ano anterior retomara sua atuação no País depois de anos de atuação proibida e clandestina. Se dependesse apenas dos brasileiros comuns, a Independência não teria acontecido. Como irá se entender mais à frente.
RIO CLARO
E Rio Claro? O que tem a ver com a história da Independência se sua chamada fundação aconteceu apenas cinco anos depois, em 1827? Tem a ver, sim. E muito. Por quê?
Tem porque dois dos fundadores do futuro povoado de 1827 tiveram participação decisiva nas disputas entre brasileiros e portugueses. Antes da Independência Rio Claro já tinha quase mil habitantes.
Um dos libertários foi o fazendeiro e político Nicolau Vergueiro, que no momento estava constituindo Rio Claro, Limeira e Piracicaba. O outro foi o também fazendeiro, então proprietário das terras do futuro Horto Florestal, Antonio Paes de Barros.
Eles eram deputados à Assembleia instalada em Portugal para decidir o futuro do Brasil. Mobilizavam São Paulo para a luta ao lado de Bonifácio e outros. O nome de ambos está na placa comemorativa da fundação de Rio Claro no obelisco central que fica na Praça da Liberdade.
VERGUEIRO
Sob a liderança do paulista José Bonifácio de Andrada, talvez o maior brasileiro de todos os tempos, Vergueiro, Paes de Barros e outros paulistas assumiram a liderança nacional na mobilização de São Paulo para a permanência de D. Pedro I no País. Para que ele não se submetesse aos planos maquiavélicos de Portugal para esvaziar a importância política e econômica da nova nação a ponto de eliminar o Brasil do mapa mundial. Por isso São Paulo foi a base da Independência. Deu a força que D. Pedro I precisava para tomar a sua decisão. Isto está em nos livros de história.
SÃO PAULO
São Paulo resistiu, acordou do marasmo em que vivia desde há muito tempo para tornar-se fundamental nos destinos do País. É importante lembrar que naquele momento o Brasil já era um reino com governo central próprio e dispunha de instituições administrativas independentes. Mais ainda, era a CAPITAL do império português devido à transferência do núcleo da nobreza lusa para o País desde 1808.
FIM DO BRASIL
Ressentidos pelo fato de o Brasil ser a capital e sustentar o Império, os lusos resolveram extinguir o governo brasileiro e dividir o País em colônias separadas uma da outra para individualmente serem governadas diretamente de Lisboa. Se fosse assim, as instituições já existentes seriam anuladas. Quando D. Pedro I decidiu ficar aqui, na prática declarou guerra a esta pretensão.
Para levar adiante seu plano e dar legalidade à trama, Portugal convocou uma assembleia de representantes dos países do Império. Para Lisboa foram eleitos uns 70 representantes do Brasil. Compareceram uns 50. A votação seguiu em clima tenso e de violência contra os representantes brasileiros, com ameaças de prisão e até de morte caso votassem contrário às intenções de Lisboa.
VOTAÇÃO
Sem nenhum brio e espírito de coragem, perto de 40 representantes do Brasil votaram a favor de Portugal. Por eles, a Independência não deveria acontecer. Apenas onze se recusaram a jurar o resultado da votação que dissolvia o Brasil. Dois paulistas reagiram gravemente às ameaças e se destacaram por denunciar o absurdo da situação.
Vergueiro fez histórico discurso contra os portugueses e não jurou respeitar o resultado. Antonio Carlos Andrada, irmão de José Bonifácio, fez o mesmo de maneira heroica. Sete outros fugiram de Portugal por ameaça de prisão, entre eles Feijó. Paes de Barros não votou por ser suplemente. Se tivesse votado acompanharia Vergueiro, de quem era correligionário. No Brasil, a maçonaria partiu para reverter a situação e investiu para efetivar a Independência à revelia do resultado da Assembleia em Portugal. Conseguiu.
Pouco se divulga, mas muitos episódios com sangue ocorreram até que a Independência fosse por fim proclamada a 7 de setembro de 1822. Depois da data, muito sangue também tingiu o chão da pátria. A pacificação com a vitória dos brasileiros custou mais de ano.
HERÓIS
Grande mérito registrou a Bahia, que guerreou durante um ano meio contra os militares portugueses que ali se concentraram para tentar dividir o país ao meio, entre Norte e Sul, depois da Independência. Os baianos venceram em 2 de julho do ano seguinte, em 1823. É nesta data que os baianos comemoram a data da Independência. A maior festa pela Independência é comemorada na Bahia até hoje.
NEM SINAL
Agora, 200 anos depois, parece tudo caído no esquecimento. Até o momento órgãos públicos, sociedade civil e imprensa não registraram lembranças dignas sobre o assunto. Um país sério teria planejado comemorações desde janeiro. Ao contrário, por aqui o que se espera é conflagração de políticos meliantes. As Forças Armadas se retraíram para evitar envolvimento com arruaceiros. Tudo muito triste.
*O autor é pesquisador e jornalista
Foto: Diário do Rio Claro