A quarentena em casa é uma das medidas preventivas recomendadas pela Associação Médica Brasileira (AMB) para o combate ao coronavírus. Se por um lado, porém, a estratégia de isolamento garante alguma vantagem sobre a contaminação da Covid-19, por outro, pesquisas têm chamado a atenção para alguns efeitos que os praticantes da quarentena precisam estar atentos.
Um levantamento feito pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), entre abril e junho deste ano, relatou que pacientes infantis com miopia tiveram progressão no grau, durante a pandemia. O aumento foi observado por sete em cada dez médicos, dentre os 295 oftalmologistas de diversas especialidades entrevistados pelo Conselho.
Ainda de acordo com o estudo do CBO, dentre os médicos entrevistados, 75,6% entendem que o que pode estar agravando os casos dos jovens míopes seja a relação excessiva com aparelhos eletrônicos como tablets, smartphones e videogames.
UM NOVO OLHAR SOBRE A MIOPIA?
De acordo com a oftalmologista Dra. Isabele Valença, atuante na clínica AmorSaúde, Instituto dos Olhos de Rio Claro (IORC) e Centro Médico Santa Filomena, o desenvolvimento da miopia se dá por fator genético, mas a superexposição às telas pode sim, influenciar na sua progressão.
“A miopia ocorre devido ao aumento do diâmetro anteroposterior do olho. Assim, o foco visual se forma antes da retina, causando dificuldade para enxergar com nitidez o que está longe. A principal causa é a herança genética, mas a exposição excessiva às telas e a redução do tempo passado ao ar livre interfere em sua manifestação”, explica.
Segundo a especialista, “a concentração em telas promove a liberação de agentes químicos no interior do olho, que podem levar ao aumento do globo ocular e, consequentemente, ao acréscimo da miopia”. Perguntada se ela tem observado essa progressão entre os seus pacientes míopes, a médica respondeu que tem verificado aumento do grau, principalmente, em crianças, adolescentes e jovens adultos, o que acaba se relacionando com o que foi levantado pelo CBO.
Em sua análise, a especialista entende que o isolamento acabou influindo na situação. “Com a pandemia e isoladas em casa, as crianças têm aula pelo computador e nas horas livres assistem TV ou jogam no tablet ou no celular. Dessa forma a visão acaba sendo prejudicada.”
Ainda em uma última análise, a médica complementa que, segundo uma pesquisa publicada em março pelo Journal of the American Medical Association, houve aumento dos diagnósticos de miopia durante o confinamento, em comparação a anos anteriores, o que gera uma expectativa maior para o problema.
“A pesquisa publicada mostrou aumento de até quatro vezes, em comparação a anos anteriores, no número de diagnósticos durante o confinamento. Então estima-se que em 2050, 50% da população mundial seja afetada pelo problema em função do aumento da exposição às telas.”
NOVOS HÁBITOS E COSTUMES: NOVOS CUIDADOS
Os olhos que antes prestavam mais atenção à ‘panela de feijão’ ou aos semáforos, agora dividem atenção – e retina – com as telas eletrônicas de tablets, smartphones e computadores. Incluindo, os olhos míopes.
A exemplo da jovem míope Amanda Euzébio, de 22 anos, que trabalha como auxiliar de cartório, estar à frente do computador na maior parte de seu tempo já é rotineiro. “Eu passo o dia todo no computador. Entro às 8h da manhã e saio às 18h, à noite. E quando não estou no computador, estou no celular, pois eu preciso estudar. Devido à pandemia, estou tendo aula on-line. Então chego do trabalho, gasto mais umas três horas na frente do celular. E só lá pelas 22h, à noite, que eu vou desligar a tela e ir dormir”, explica.
Amanda relata que descobriu a miopia na pré-adolescência, por volta dos 11 anos de idade. Recentemente, em julho deste ano, foi ao oftalmologista e descobriu que em um dos olhos, o grau aumentou significativamente. Segundo ela, a conversação com o médico pairou sobre sua relação com os aparelhos eletrônicos. Sobre mudar os hábitos afim de retardar a progressão de sua condição óptica, Amanda diz considerar a hipótese. “É algo que eu, realmente, penso em tomar mais cuidado. Mas está praticamente impossível, porque tudo está sendo feito on-line ou na tela. Até mesmo trabalhar. É algo que me cansa. Chega no fim do dia, eu não aguento ver qualquer tela de qualquer coisa, porque meus olhos estão cansados”, diz.
De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), há 59 milhões de brasileiros como a Amanda nessa condição, cerca de 25% da população. Estima-se, no entanto, que as pessoas com miopia sejam em torno de 2,6 bilhões pelo mundo.
“O ideal é limitar o tempo de uso das telas, fazer pausas regulares e sempre que possível – e seguro – praticar atividades ao ar livre. Mesmo que no quintal ou na varanda de casa, pois a luz solar é responsável pela liberação de neurotransmissores que provocam uma redução do aumento do olho.
Além disso, outra medida fundamental é visitar o médico oftalmologista regularmente, especialmente, se surgir qualquer incômodo ou dificuldade para enxergar.
Minha frase final, para crianças e adolescentes é: precisam ficar um tempo do dia offline, e trocar atividades indoor por atividades outdoor.”
– Dra Isabele Sartori Leone Valença, Oftalmologia clínica e Especialista em Lente de Contato. Trabalha na: AmorSaúde, IORC – Instituto de olhos de Rio Claro e Centro Médico Santa Filomena, em Rio Claro.
Por Samuel Chagas / Foto: Divulgação