Bilhetes de um tempo
[XI]
Na Avenida 17, em frente à casa da família Picka, dos irmãos Zé Carlos e Rubinho, havia um campinho de futebol. Além deles, participavam das partidas os gêmeos Marco Antonio e Sérgio Pezzotti, que moravam na Rua 4, eu, meu irmão, o Dodô, irmão do Tiãozinho Maia, o Toti, o Val, o Cidinho e o Zé Roberto, estes dois últimos filhos de seu Zé, dono do bar, e outros garotos.
Na Rua 6 com a esquina da Avenida 17, havia outro campinho de futebol. Nesse pequenino “Maracanã’ desfilava o Turi (o maior craque que vi jogar; era um driblador diabólico). Ele driblava o time todo, não fazia o gol, voltava driblando os adversários e, depois, tornava a driblá-los em direção à meta adversária e, aí, fazia o gol. Ele era muito bom, um verdadeiro artista. E namorava, pelo que eu me lembre, a Márcia, filho do professor de Matemática, Antônio Guimarães, chamado carinhosamente de professor ‘Tonhão’. Era ótimo professor e ótima pessoa.
Ali, naquele campo, cada menino queria jogar como Pelé ou Garrincha. Sonho passageiro como passageira foi a infância.
Lembro-me, ainda, que os moleques, de ‘carção’, iam nadar nessa Rua 6, após a forte chuva passar e haver formado um rio mágico e interessante em sua vala.
Aquelas águas barrentas eram a diversão daqueles moleques. O progresso veio e acabou com essa alegria.
[XII]
E quase todos aqueles meninos do bairro eram também alunos do inesquecível e histórico “Joaquim Ribeiro”.
No pré-primário, a professora Antonietinha era a nossa comandante. Pessoa meiga, falava baixinho, parecia irmã de freira, sempre calma, com um leve sorriso nos lábios. Muitas histórias da infância ela contava para quem se encontrava vivendo a melhor quadra da vida. Não é impossível recitar:
“Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!” (Meus oito anos)
Assim, declamava o amado Casemiro de Abreu, de tão curta existência, e que foi o primeiro poeta que conheci na minha vida.
Depois veio a professora Cleusa, a nossa segunda mãe. Tranquila e sempre afável. E foi a que, verdadeiramente, nos alfabetizou. Do livro que ela fazia uso tenho à lembrança a primeira lição ‘A pata nada pata pa nada na’.
Dessa sala me lembro das meninas Carmem Sílvia (sobrinha da professora Antonietinha), a Beatriz Buschinelli, a Elisabete Rubio Duarte, a Elizabete Chadad, a Maria Aparecida Pascoal, a Alba Barsotti (1º lugar da turma nesse ano), a Leontina (menina que se sentava no fundo da sala e parecia sempre triste). A Leontina sentava-se à frente do Leonel, bem mais velho que a gente, e teria vindo do sítio, e dependia pra ver de um só olho; mais atrás sentava-se o Robertinho, que foi o maior craque da bolinha de gude – ninguém teve mais precisão do que ele na mira para acertar a bolinha adversária, fosse curta ou longa a distância. Impressionante.
[XIII]
De outros colegas me lembro do Geraldo Massaro (palmeirense e com quem tive a maior proximidade naquela época), do Amadeu, do Pita, do Reginaldo (voz de trovão), do Ulisinho, do Mário (primo do Ariovaldo Brunelli), do Tite (ótimo aluno em Matemática),
A Dona Anita, também excelente professora, foi quem deu aula para nós no 2º e 3º anos do Primário. Agora, não tenho certeza se foi com ela ou não o seguinte caso. Fui colocado de castigo – por falar muito, acredito – atrás do armário que ficava enviesado na parte da frente da sala de aula. E lá, para minha sorte, encontrei duas borrachas praticamente novas. Então, não recebi um castigo; recebi um prêmio. Ironias da vida.
Por fim, surgiu em nosso caminho a estimadíssima professora Alicinha do 4º ano primário, mãe do Geraldo, médico, e do Cássio, do Ministério Público Estadual.
De personalidade forte e justa, enfrentou a generalíssima Ana Alice, então diretora, sempre elegante e altiva, que não me iria deixar receber o diploma no final do curso primário. Castigava-me, assim, pelas traquinagens. Recebi o diploma como todos e com todos os alunos. Reconheço que, como eu fui menino daquela Rua 5, não era fácil me aguentar. Porém, minhas notas eram boas. E, por isso, digo que a professora Alicinha foi justa comigo, nesse ponto. Fica aqui o meu preito de gratidão mesmo que intempestivo. Que tempos!